Título: Engodos
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Na presença do diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavia, o presidente Lula, finalmente, reconheceu uma falha em seu impecável governo. E que falha! Logo na área trabalhista, em que ele surgiu como liderança política e acumulou rica experiência na vida sindical. Em seminário organizado pela OIT, na quarta-feira, Lula admitiu que seu governo fez muito pouco pelos trabalhadores, mas não perdeu o vício de jogar a culpa nos antecessores e pedir mais tempo para si próprio. "Recuperar esse tempo perdido leva mais que um mandato de um presidente da República", desculpou-se. O que poderia e não fez Lula para melhorar as relações de trabalho num país onde seis em cada dez trabalhadores estão na informalidade, sem direitos trabalhistas, sem aposentadoria na velhice? Para começar, no mínimo ele se descuidou (ou desprezou) de duas importantes e inadiáveis reformas constitucionais - a trabalhista e a previdenciária de contribuintes ao INSS. Certamente Lula vai exibir, na campanha eleitoral, estatísticas de empregos criados em sua gestão. Não foram muitos, poderiam ser muito mais se seu governo acelerasse as reformas, agisse para reduzir o custo Brasil e aproveitasse melhor os ventos favoráveis da excelente conjuntura econômica internacional que coincidiu com seu mandato. O mérito dos empregos criados é menos do governo Lula e mais da dinâmica e pujança da economia privada. Na verdade, na área trabalhista os últimos três anos foram totalmente perdidos. Foi equivocada a estratégia do governo de primeiro aprovar a reforma sindical, fortalecer os sindicatos e só depois cuidar da reforma trabalhista. E ingênua a decisão de negociar previamente o projeto de reforma sindical entre representantes de trabalhadores e empregadores, imaginando que, aplacadas divergências entre as partes, a tramitação no Congresso seria rápida. Pois o projeto empacou desde o escândalo do mensalão, em meio a uma profusão de emendas que o tornaram inviável. É zero a chance de aprová-lo este ano. Fiasco maior foi a reforma trabalhista: não há sequer discussão, quanto mais projeto. E ela é absolutamente urgente para modernizar a legislação, com três objetivos: Reduzir o custo de contratação; incorporar trabalhadores informais sem direitos trabalhistas; e estimular o crescimento econômico e a geração de empregos. No seminário da OIT o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse ser intenção do governo modernizar a legislação trabalhista, "mas não retirar direitos dos trabalhadores". Engodo. Se não possui dom divino para produzir milagres, o ministro precisa ser sincero, não enganar ninguém e esclarecer o que pretende mudar na lei para reduzir o custo da contratação e estimular empresas a legalizar a situação dos trabalhadores sem nenhum direito. Sem quebrar ovos não há omelete. Não há como reduzir o custo de contratação sem atenuar direitos trabalhistas. Lula e Marinho sabem disso, mas escondem dos trabalhadores. Sabem também que, se hoje, de cada dez trabalhadores, seis são informais, em pouco tempo serão muito mais, se a reforma não avançar. Muito pior é o que tem dito o governo Lula sobre a reforma da Previdência. "É desnecessária, já foi feita", dizem todos os ministros, inclusive o mais novato deles, Guido Mantega, da Fazenda. Segundo pesquisa do IBGE, mais da metade dos trabalhadores não contribuem para o INSS. Portanto, não terão aposentadoria nem do que viver na velhice. Por si só, esta constatação é alarmante e trágica. Mas é completada por outra igualmente dramática: o déficit do INSS tem crescido a uma taxa entre 10% e 15% ao ano e não há a menor chance de reverter este ritmo, porque a receita do INSS só tem caído com o trabalho informal e a despesa, crescido, porque, felizmente, os progressos da medicina permitem vida mais longa ao homem. Sem novas regras que mudem este quadro, os seguintes problemas vão se agravar nos próximos anos: Os excluídos da Previdência aumentarão e não terão nenhum amparo na velhice; para garantir o pagamento de aposentadorias será inevitável desviar dinheiro dos programas sociais, da saúde, da educação, e os serviços públicos tendem a entrar em colapso; ou a Previdência pode entrar em crise e os aposentados ficarem sem proventos. Lula e Mantega sabem muito bem que precisam e irão enfrentar o problema. Apenas escondem o leitor.