Título: Grampo liga 70 prefeitos ao caso das ambulâncias
Autor: Sônia Filgueiras
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Nacional, p. A14

Nas conversas, editais, convênios e partilha de dinheiro desviado

As Procuradorias Regionais da República investigam o envolvimento de 70 prefeitos no esquema montado por um grupo de empresários mato-grossenses especializado em desviar recursos orçamentários da União destinados à compra de ambulâncias e microônibus. Trata-se de um processo semelhante ao dos 65 parlamentares citados nos grampos telefônicos que registraram os negócios da quadrilha, que tiveram seus nomes remetidos para o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Por força do cargo que exercem, prefeitos têm foro privilegiado. Só podem ser investigados pelos procuradores regionais do Ministério Público Federal e eventuais processos correm em um dos cinco Tribunais Regionais Federais existentes no País.

Ao examinar as escutas telefônicas colhidas ao longo da Operação Sanguessuga, os procuradores e a Polícia Federal de Mato Grosso encontraram trechos de gravações que envolvem 70 prefeitos ou auxiliares espalhados por 13 Estados. Em vários casos, ocorrem citações de prefeituras em conversas sobre a elaboração de editais, assinatura de convênios e liberação de verbas. São discussões que, para os procuradores de Cuiabá, representam indícios de envolvimento direto dos prefeitos nas fraudes de licitações para a compra dos veículos.

Os diálogos obtidos pela PF revelam detalhes de como funcionava a distribuição de propinas dentro do esquema. No caso da prefeitura mineira de Januária, por exemplo, uma conversa dos empresários revela que, por sua participação na fraude, os três integrantes da comissão de licitação receberiam R$ 2 mil cada.

Nos grampos envolvendo a prefeitura mato-grossense de Juará, Luiz Antônio Vedoin, um dos donos da Planam - empresa que montava as ambulâncias -, conta a um sócio que o prefeito local estaria pedindo uma comissão de 20%. "Acho que ele está dando 10% ou 15% e ficando com 5%", disse Vedoin, referindo-se a uma suposta partilha do dinheiro com o deputado patrocinador da emenda.

As gravações indicam que, após o pagamento do veículo pela prefeitura, com dinheiro transferido pelo governo federal, eram os empresários que distribuíam a propina.

GUERRAS

A Planam se assemelhava a um bunker. Protegida por um muro alto e cercas eletrificadas, em Cuiabá, a sede da empresa ocupa um quarteirão inteiro. Não é para menos. Os grampos mostram que, em alguns casos, os Vedoin travavam verdadeiras guerras com as prefeituras.

É o caso de Delta (MG). Gravações feitas em agosto de 2004 mostram que Alessandra, filha de Darci Vedoin, o empresário-chefe do grupo, tentou sustar um cheque destinado ao deputado-padrinho do convênio porque o prefeito local não teria pago pelo veículo recebido. Alessandra, nervosa, afirma que o prefeito de Delta "é filho da mãe" e "bandido", pois lhe deve "vinte e poucos mil". Também são freqüentes as discussões envolvendo a entrega de veículos fora do prazo ou das especificações, sem os equipamentos previstos no edital.

As gravações indicam ainda que os Vedoin ajudavam os prefeitos em seus projetos eleitorais. Conforme o relatório da PF, Luiz Antônio, também filho de Darci, estava preocupado em apressar uma licitação da prefeitura de Amélia Rodrigues, na Bahia. O novo convênio se destinaria a cobrir uma dívida de campanha do prefeito, de saída da prefeitura, no valor de R$ 2 milhões.

De acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, esses fatos demonstram como o sistema de emendas parlamentares está falido e deve ser modificado. "Isso é a coisa mais perniciosa que existe no sistema político."

Um dos dois ex-parlamentares presos na Operação Sanguessuga, o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) foi transferido ontem pela PF de Brasília para Cuiabá.