Título: 'EUA têm muito o que aprender com o Brasil'
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Nacional, p. A13

Presidente do Wilson Center destaca papel do País no desenvolvimento de combustíveis alternativos

A idéia não é nova. Em abril de 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou-a como um caminho possível para ultrapassar os obstáculos já evidentes na construção da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. "Se o objetivo é a integração, por que não cooperamos na produção e distribuição de etanol?", perguntou Fernando Henrique numa entrevista, às vésperas da instalação da 3ª Cúpula das Américas, em Quebec, Canadá.

O forte aumento dos preços do petróleo e a adoção de uma norma que impõe o uso do etanol como aditivo da gasolina nos EUA, este ano, por razões ambientais, combinaram-se para dar novo impulso ao uso de fontes renováveis de combustíveis.

A General Motors e a Ford já publicam anúncios de seus carros flex fuel nos jornais americanos, apesar da ausência de uma infra-estrutura de distribuição de etanol no país. Os políticos falam sobre o assunto nos programas dominicais de entrevistas, quase todos patrocinados pela Archer Daniels Midland, a multinacional que lidera a produção do etanol nos EUA.

"Acho que, nesse ponto, temos muito a aprender com o Brasil", disse ao Estado, na semana passada, o ex- deputado Lee Hamilton. Aos 74 anos, Hamilton é mais ouvido hoje em Washington do que foi, talvez, durante os 34 anos em que representou a cidade de Bloomington, Indiana, no Congresso americano. Alçado em 1999 à presidência do Woodrow Wilson International Center for Scholars, um centro de pesquisas de políticas públicas criado e mantido pelo Congresso, ele tem sido chamado para co-presidir todas as comissões bipartidárias formadas nos últimos anos para estudar os grandes problemas dos EUA.

PROJETO BRASIL

"O Brasil tornou-se o líder mundial no desenvolvimento de combustíveis alternativos ao petróleo e temos de aprender com os brasileiros", disse ele. "É exatamente esse tipo de coisa que queremos fazer no Instituto Brasil do Wilson Center." O instituto ainda é um plano. Hoje, atende pelo nome Projeto Brasil. Lançado em 2001 por iniciativa do então embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, está em busca de recursos para crescer e transformar-se no quarto e último setor especializado de estudos dedicados exclusivamente a um país que o Wilson Center criará. Outros dois se ocupam dos vizinhos México e Canadá, e o terceiro, do ex-inimigo da guerra fria, a Rússia.

No dia 1º de junho, Hamilton estará em São Paulo para entregar Prêmio Woodrow Wilson ao diretor do Estado, Ruy Mesquita, e ao presidente da Embraer, Maurício Botelho. A ocasião, no Hotel Meliá, terá um duplo objetivo. "O primeiro será homenagear dois líderes brasileiros que consideramos pessoas visionárias, que são pessoas excepcionais e têm um amplo leque de interesses, que vão muito além de suas atividades e envolvem a promoção do bem-estar da cidade, da sociedade e do país em que atuam", explicou o presidente do Wilson Center. O prêmio já foi comparado a um Nobel do serviço às nações. "Este é certamente o caso do presidente da Embraer, cujo sucesso é conhecido nos Estados Unidos."

"No setor público, homenageamos pessoas que já serviram com distinção seus governos e países ou deram contribuições excepcionais como líderes de atividades que lidam com o interesse público, como os meios de comunicação, como é o caso do sr. Mesquita", disse Hamilton. "Queremos elevar líderes como ele e apresentá-los como exemplos a serem seguidos de pessoas que fizeram muito por seu país e por sua comunidade. O papel do jornalista é enormemente importante nos Estados Unidos e no Brasil. Não se pode ter uma democracia representativa sem que as pessoas estejam informadas. O jornalista desempenha papel essencial, mas nem sempre bem compreendido, e é nesse espírito de reconhecimento de seu valor para a democracia brasileira que o sr. Mesquita foi escolhido para ser um dos nossos homenageados este ano."

MEMORIAL VIVO

O segundo objetivo do evento é levantar fundos para a criação do Instituto Brasil, disse Hamilton. O Wilson Center é uma instituição de pesquisa avançada concebida para ser um memorial vivo a Woodrow Wilson, único presidente dos EUA com doutorado. "Wilson acreditava que o scholar pode aprender com o político e o político com o scholar", disse ele.

A atual missão de Hamilton, de tentar achar uma saída para a guerra do Iraque, parece ter aumentado seu interesse pelo desenvolvimento de uma maior cooperação entre o Brasil e os EUA sobre o etanol. "Estamos num ponto muito difícil no Iraque", afirmou ele. "O que estamos examinando é onde estamos hoje, como entendemos as realidades política, econômica e de segurança que enfrentamos no Iraque e para onde vamos."

Hamilton não está seguro se o grupo conseguirá chegar a posições de consenso. "Creio que fazer recomendações sobre o Iraque será muito difícil e, sinceramente, não sei se seremos ou não capazes. Há muita gente em Washington - no Congresso e no Executivo - que genuinamente não sabe o que fazer sobre o Iraque.

Pessoalmente, porém, Hamilton não tem dúvida sobre a origem maior do problema. Trata-se da dependência dos EUA do petróleo importado do Oriente Médio. "Falo sobre isso desde que cheguei ao Congresso e considero nosso fracasso em nos tornarmos independentes de fontes de energia no Oriente Médio a maior falha da política externa americana nos últimos 30 a 40 anos", afirmou. "Essa dependência é uma enorme limitação à nossa política externa. Como as maiores reservas conhecidas de petróleo estão no Golfo Pérsico, todos os presidentes americanos classificaram a região como de interesse vital. Dedicamos uma atenção extraordinária, gastamos vastas quantias em recursos para tentar manter a estabilidade na região."

Segundo Hamilton, a dependência americana do petróleo, que o próprio presidente George W. Bush comparou a um vício, tem várias conseqüências negativas. "Estamos vulneráveis à acusação de hipocrisia, já que proclamamos nosso apoio à democracia, mas respaldamos um regime autoritário na Arábia Saudita." Além disso, a dependência do petróleo limita as opções até ao tratar com a Venezuela ou a Rússia. "A forma como usamos energia é o nexo entre nossas seguranças nacional, econômica e ambiental. E aprender com a experiência de países que adotaram soluções inovadoras nessa área, como o Brasil, é parte da missão do Wilson Center."