Título: Xanana assume segurança de Timor
Autor: Angela Perez
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Internacional, p. A12

O presidente do Timor Leste, Xanana Gusmão, decretou ontem estado de emergência e assumiu o controle do Exército e da polícia para tentar tirar o país do caos e restabelecer a ordem. A medida é um claro sinal da gravidade da situação na ex-colônia portuguesa.

Como presidente em um sistema parlamentarista, Xanana tinha até então um papel parcialmente cerimonial. O que provocou a decisão do ex-líder militar que lutou contra a ocupação de Timor Leste pela Indonésia, o grande herói da independência conquistada em 2002, foi a onda de violência que tomou conta do pequeno país asiático nas últimas duas semanas, deixando 27 mortos e desalojando 90 mil.

Após dois dias de reunião com o Conselho de Estado, Xanana aconselhou ao primeiro-ministro, Mari Alkatiri, a demissão dos ministros do Interior, Rogério Lobato, e da Defesa, Roque Rodrigues, considerados pelo governo e o Parlamento como os responsáveis pela deterioração da situação. A crise foi desatada no fim de abril por recrutas do Exército que reclamavam de maus-tratos e discriminação por parte dos militares mais antigos, da época da resistência.

Mais do que uma mera questão disciplinar e salarial, o conflito é uma evidência da latente disputa entre os loromonos (timorenses da parte oeste da ilha que defenderam a anexação do território à Indonésia ) e os lorosaes (que são majoritariamente da parte leste e lutaram pela independência). Boa parte dos jovens recrutas que se queixam de discriminação é loromona. Essa disputa étnica foi o combustível do caos dos últimos dias e é o que aumenta o risco da explosão de uma guerra civil, apesar da forte presença de tropas australianas, malaias e neozelandesas que começaram a chegar no fim de semana.

Uma fonte que participou da reunião do Conselho de Estado na segunda e terça-feira, mas não quis ter seu nome revelado, admitiu pelo telefone ao Estado a pressão pela renúncia de Mari Alkatiri, o primeiro-ministro do mesmo grupo político de Xanana. Alkatiri é acusado pela população de não ter sido capaz de restabelecer a calma. Apesar da insatisfação, manteve-se no cargo porque era a única decisão que a conjuntura política permitia. "O presidente Xanana tem uma imagem positiva, por isso foi designado para coordenar o resgate da segurança pública e a recuperação humanitária. Uma reformulação mais profunda no governo só criaria mais instabilidade", disse a fonte ao Estado.

Durante os anos de luta, o sentimento em favor da autodeterminação foi alimentado pela brutalidade das forças da Indonésia. Dias após 99% dos 450 mil eleitores de Timor Leste aprovarem a independência da região em um referendo organizado pela ONU em 1999, milicianos oeste-timorenses e soldados indonésios lançaram uma onda de massacres que deixou mais de 1.500 mortos.

Ontem, uma multidão invadiu o prédio da Procuradoria-Geral, levando parte do arquivo criminal sobre os principais casos relativos aos massacres. Entre os arquivos roubados está o do general Wiranto, chefe das Forças Armadas da Indonésia na época.

Apesar da forte presença de forças estrangeiras que atenderam ao apelo do governo local, ontem ainda estavam ocorrendo ataques incendiários e saques. O embaixador do Brasil em Díli, Antonio Souza e Silva, disse ao Estado que o clima agora é de espera, mesmo entre os brasileiros, que acreditam que a situação se normalizará em breve. Segundo o embaixador, foi feito um acordo com o governo da Austrália para que os brasileiros que quisessem deixar Timor Leste partissem para Darwin nos aviões que trouxeram os soldados australianos, mas apenas meia dúzia aceitou a oferta. Ele acrescentou que cerca de 30 brasileiros, a maioria missionários, que estavam em áreas de confrontos e se sentiram ameaçados, foram instalados em dois hotéis.