Título: Guerra de boatos causa medo no Peru
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Internacional, p. A13

Versões sobre armas entrando pela fronteira com a Bolívia, agentes venezuelanos infiltrados para espalhar o terror e protestos violentos promovidos por "elementos pagos" para tumultuar a votação no interior do país. Em meio a todos esses rumores, ocorre agora o lançamento de um livro escrito na cadeia pelo ex-chefe de inteligência Vladimiro Montesinos (ler ao lado) - pivô do escândalo que resultou na queda de Alberto Fujimori, em 2000 -, no qual "revela" que o candidato nacionalista Ollanta Humala foi fabricado por Cuba e Venezuela, para que Fidel Castro e Hugo Chávez tenham o controle do Peru.

A guerra suja que marcou toda a campanha presidencial peruana, desde o início dos comícios para o primeiro turno, realizado em 9 de abril, destina-se nesta reta final a aterrorizar os eleitores que vão às urnas no domingo. O dado mais grave, segundo os analistas peruanos, é que agora os rumores não têm origem em panfletos apócrifos ou páginas piratas da internet, mas são divulgados por altos assessores dos dois candidatos e, mais estarrecedor, pelo próprio governo. A versão de que agitadores pagos planejam sabotar a eleição partiu, no domingo, do próprio presidente do país, Alejandro Toledo.

"Bem, temos todos de estar atentos, pois os sangrentos combates no domingo devem se estender do centro de Lima a Miraflores", ironiza o diretor de jornalismo da emissora Radioprogramas do Peru, Raúl Vargas Vega. "Isso tudo resume bem o que foi a campanha presidencial neste país", diz ao Estado. "Aqui há uma fixação por Hugo Chávez, como se ele fosse candidato à presidência deste país."

A atual campanha eleitoral não está livre de violência. Na semana passada, em Cuzco, no sul do país, partidários de Humala e do candidato do Partido Aprista Peruano, Alan García, se enfrentaram a tiros, deixando o saldo de três feridos. Conflitos semelhantes têm sido registrados em várias regiões do interior, onde a candidatura de Humala é mais forte, mas os apristas têm um aparelho partidário mais organizado.

Num país como o Peru, onde a população tem vivas na lembrança as operações de sabotagem eleitoral do sanguinário grupo maoísta Sendero Luminoso, rumores e insinuações de planos violentos podem ter efeitos devastadores.

"Não há como confirmar isso com exatidão, mas o que se estima é que a população mais afetada pela guerra de nervos seja a das províncias, onde as informações chegam mais distorcidas e a presença das forças de segurança é menor", diz o historiador da Universidade do Pacífico, de Lima, Lucio Rodríguez. "Como as pesquisas indicam que a votação no interior está tecnicamente empatada, enquanto García vence com folga nos grandes centros, Humala seria o maior prejudicado com esses rumores."

Mas a campanha de Humala não abdicou da guerra suja. Na segunda-feira à noite, convocou a imprensa para uma "importantíssima declaração" em sua sede de campanha e apresentou cópias de uma série de e-mails supostamente trocados entre assessores de García e de Fujimori, em liberdade condicional no Chile. As mensagens indicavam que García se reuniu com Keiko e Santiago Fujimori - respectivamente, filha e irmão do ex-presidente. Na reunião, García teria garantido anistia para Fujimori em troca dos votos do fujimorismo no segundo turno.

"Não houve nenhuma reunião e nosso movimento mantém sua neutralidade em relação ao segundo turno", desmentiu enfaticamente Keiko, a congressista eleita com mais votos no dia 9.