Título: 'Somos fortes e determinados'
Autor: Stefan Aust, Gerhard Sport e Dieter Bednarz
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Internacional, p. A14

Em entrevista à Spiegel, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, fala sobre o Holocausto, Israel, os EUA e a crise em torno do programa nuclear iraniano.

O sr. é fã de futebol e gosta de jogar bola. Estará no estádio em Nuremberg em 11 de junho, quando o Irã joga contra o México? Depende. Naturalmente, vou ver o jogo de qualquer forma. Mas não sei se estarei em casa diante da TV ou em outro lugar. Minha decisão depende de uma série de coisas: quanto tempo tenho, como está a situação de vários relacionamentos, se terei vontade, e várias outras coisas.

Houve grande indignação na Alemanha quando se soube que o sr. talvez vá à Copa. Isso o surpreendeu? Não, isso não tem importância. Nem entendi como isso surgiu. Não sei o motivo de toda essa agitação.

Está relacionado com seus comentários sobre o Holocausto. Era inevitável que a recusa do presidente do Irã em admitir o assassinato sistemático de judeus pelos alemães causaria indignação. Não entendo bem a relação entre as duas coisas.

Primeiro, o sr. fez seus comentários sobre o Holocausto. Depois veio a notícia de que o sr. talvez viaje para a Alemanha - e isto causou comoção. Afinal, o sr. se surpreendeu? Não, de jeito nenhum, porque a rede de relacionamento do sionismo é muito atuante em todo mundo, na Europa também. Estávamos falando ao povo alemão. Não temos nada a ver com os sionistas. ... Estamos propondo duas perguntas muito claras. A primeira é: o Holocausto realmente aconteceu? Sua resposta é afirmativa. Então, a segunda pergunta é: isso foi culpa de quem? A resposta para isto deve ser encontrada na Europa e não na Palestina. Está perfeitamente claro - se o Holocausto aconteceu na Europa, a resposta para isso tem que ser encontrada na Europa. Por outro lado, se o Holocausto não aconteceu, por que, então, este regime de ocupação (referência a Israel) ocorreu? Por que os países europeus se comprometeram a defender este regime? Somos da opinião que, se uma ocorrência histórica está em conformidade com a verdade, esta verdade será revelada com mais clareza se houver mais investigação e mais discussão sobre ela.

Isso há muito que acontece na Alemanha. Não queremos confirmar ou negar o Holocausto. Somos contra qualquer tipo de crime contra qualquer povo. Mas queremos saber se este crime realmente ocorreu. Se ocorreu, então aqueles que carregam a responsabilidade precisam ser punidos, e não os palestinos. Por que não é permitida a investigação sobre um fato que ocorreu há 60 anos?

Sr. presidente, com o devido respeito, o Holocausto aconteceu, houve campos de concentração, há dossiês sobre o extermínio dos judeus, tem havido muita investigação e não existe a menor dúvida sobre se o Holocausto é ou não um fato. Lamentamos imensamente que os alemães tenham sido responsáveis por isso. E o destino dos palestinos é uma questão completamente diferente, e isto nos traz de volta ao presente. Não, não, as raízes do conflito palestino devem ser procuradas na História. O Holocausto e a Palestina estão diretamente relacionados. E se o Holocausto realmente aconteceu, então devemos permitir que grupos imparciais do mundo inteiro investiguem isso.

O sr. continua dizendo que o Holocausto é apenas "um mito"? Eu só aceito alguma coisa como verdadeira se estiver convencido dela.

Bem, estamos conduzindo esta discussão histórica com o sr. por um motivo muito oportuno. O sr. questiona o direito de Israel existir? Veja bem, minhas opiniões são muito claras. Estamos dizendo que, se o Holocausto ocorreu, então a Europa precisa arcar com as conseqüências e não deve ser a Palestina a pagar o preço por isso. Se não ocorreu, então os judeus têm de voltar para o lugar de onde vieram. Acredito que o povo alemão hoje é também prisioneiro do Holocausto. Sessenta milhões de pessoas morreram na 2ª Guerra Mundial. Essa guerra foi um crime gigantesco. Nós a condenamos. Somos contra o derramamento de sangue, independentemente se foi ou não cometido um crime contra um muçulmano ou contra um cristão ou um judeu. Mas a pergunta é: por que entre essas 60 milhões de vítimas os judeus são o único centro das atenções?

Não se trata disso. Todos os povos lamentaram as vítimas da 2ª Guerra, alemães, russos, poloneses e outros povos. Mas nós como alemães não podemos nos absolver de uma culpa específica, isto é, o assassinato sistemático de judeus. Mas agora talvez devamos passar para nosso próximo assunto. Não, tenho uma pergunta a fazer. Que tipo de papel a juventude atual desempenhou na 2ª Guerra?

Nenhum. Então, por que eles têm sentimentos de culpa em relação aos sionistas? Por que os custos dos sionistas devem ser pagos por eles? Se pessoas cometeram crimes no passado, então deveriam ter sido julgadas há 60 anos. Fim da história. Por que o povo alemão deve ser humilhado hoje porque um grupo de pessoas cometeu crimes em nome dos alemães durante o curso da História?

O povo alemão hoje não pode fazer nada em relação a isso. Mas existe uma espécie de vergonha coletiva por esses atos cometidos em nome dos alemães por nossos pais ou avós. Deixe-me lhe perguntar uma coisa - por quanto tempo mais isso deve continuar? Por quanto tempo mais o sr. acha que o povo alemão terá que aceitar ter virado refém dos sionistas?

Só podemos falar por nós mesmos. A 'Der Spiegel' não é refém de ninguém. A 'Der Spiegel' não trata apenas do passado da Alemanha e dos crimes dos alemães. Somos críticos de Israel no conflito com os palestinos. Mas queremos deixar uma coisa muito clara: não vamos simplesmente ficar de fora sem protestar quando o direito de existir de Israel, onde vivem muitos sobreviventes do Holocausto, está sendo questionado. Esse é precisamente o nosso ponto. Por que vocês devem se sentir em dívida com os sionistas? Se realmente houve um Holocausto, Israel devia estar localizado na Europa e não na Palestina.

O sr. quer reassentar um povo inteiro 60 anos depois do fim da guerra? Faz 60 anos que 5 milhões de palestinos não têm uma pátria. É realmente incrível. Vocês vêm pagando indenizações pelo Holocausto por 60 anos e continuarão pagando por mais 100 anos. Por que, então, o destino dos palestinos não é um problema aqui?

Estamos falando sobre o Holocausto porque queremos falar sobre o possível armamento nuclear do Irã, motivo pelo qual o Ocidente o considera uma ameaça. A pergunta-chave é: o sr. quer armas nucleares para seu país? Por quanto tempo você acha que o mundo pode ser governado pela retórica de uma meia dúzia de potências ocidentais? Sempre que eles têm algo contra alguém, começam a disseminar propaganda política e mentiras, difamação e chantagem. Por quanto tempo isso pode continuar? Veja, conduzimos nossas discussões com vocês e com os governos europeus num nível completamente diferente, mais elevado. Na nossa opinião, o sistema jurídico pelo qual uma meia dúzia de países impõe sua vontade sobre o restante do mundo é discriminatório e instável. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tem 139 membros. Tanto o estatuto da AIEA como o Tratado de Não-Proliferação Nuclear concedem aos países membros o direito de produzir combustível nuclear para fins pacíficos. Esse é o direito legal legítimo de qualquer povo. E veja o que está acontecendo hoje - o Irã tem tido excelente cooperação com a AIEA. Já houve mais de 2 mil inspeções em nossas fábricas. A AIEA enfatizou em todos seus relatórios que não há sinal de irregularidades no Irã. Este é um lado da questão.

A AIEA não compartilha totalmente de seu ponto de vista. Mas é do outro lado que existe uma série de países que têm tanto energia nuclear como armas nucleares. Eles usam suas armas atômicas para ameaçar outros povos. E são essas potências, que dizem estar preocupadas com o Irã, que estão se desviando do caminho do uso pacífico da energia atômica. Essas potências não têm direito de falar conosco dessa forma. Esta ordem é injusta e insustentável.

Mas a pergunta chave é: quão perigoso ficará este mundo se cada vez mais países se transformarem em potências nucleares, se um país como o Irã, cujo presidente faz ameaças, construir a bomba numa região tomada por crises? Fundamentalmente, somos contrários à expansão de arsenais de armas nucleares. É por isso que temos proposto a formação de uma organização imparcial e o desarmamento das potências nucleares. Não precisamos de quaisquer armas. Somos um povo civilizado e culto, e nossa história mostra que nunca atacamos outro país.

O Irã não precisa da bomba que pretende construir? Ressalto mais uma vez: não precisamos de armas nucleares. Defendemos nossas declarações porque somos sinceros e agimos legalmente. Só queremos exigir nosso direito legítimo. Por falar nisso, nunca ameacei ninguém. Isso também faz parte da máquina de propaganda que vocês continuam pondo em funcionamento.

Os Estados Unidos praticamente perderam a guerra no Iraque. Cooperando de modo construtivo, o Irã poderia ajudar os americanos a considerar sua retirada do país. Isto é muito interessante: os americanos ocupam o país, matam gente, vendem o petróleo e, quando perdem, culpam os outros. Temos laços muito íntimos com o povo iraquiano. Vivemos lado a lado há milhares de anos. Nossos locais de peregrinação religiosa ficam no Iraque. Assim como o Irã, o Iraque era um centro da civilização. Sempre dissemos que apoiamos o governo eleito pelo voto popular no Iraque. A meu ver, no entanto, os americanos estão fazendo um mau trabalho. Eles nos enviaram mensagens em várias ocasiões pedindo ajuda e cooperação. Disseram que deveríamos conversar sobre o Iraque. Aceitamos essa oferta publicamente, embora nosso povo não confie nos americanos. Mas os Estados Unidos responderam negativamente e nos insultaram. Agora mesmo estamos contribuindo para a segurança no Iraque. Só dialogaremos se os americanos mudarem seu comportamento.

O que acontecerá agora no conflito entre o Ocidente e o Irã? Nós entendemos a lógica dos americanos. Eles sofreram danos como resultado da vitória da Revolução Islâmica. Mas estamos perplexos com alguns países europeus que se opõem a nós. Afinal, eles sabem que nossas ações são voltadas à paz. Alinhando-se com o Irã, os europeus serviriam a seus próprios interesses e aos nossos. Mas eles só vão sofrer prejuízos opondo-se a nós. Porque nosso povo é forte e determinado. Os europeus correm o risco de perder completamente sua posição no Oriente Médio e estão arruinando sua reputação em outras partes do mundo. Os outros vão pensar que os europeus não são capazes de resolver problemas.