Título: Faca de vários gumes
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Nacional, p. A6

A OAB toma amanhã decisão que pode servir como certidão de "nada consta" ao PT

A Ordem dos Advogados do Brasil decide amanhã se formaliza, ou não, um pedido de impeachment contra o presidente da República, impondo a si o seguinte dilema: ou aprova, e vê seu pedido naufragar na ausência de apoio político para tal, ou rejeita e dá ao presidente Luiz Inácio da Silva, e ao PT, uma certidão de "nada consta" moral, corroborando a tese oficial de que os males que assolam o partido não passam de perseguição eleitoral.

Os partidos de oposição acharam mais apropriado guardar recolhimento e submissão ao calendário eleitoral, que não garante prazos objetivos para a tramitação de um processo daquela natureza.

A OAB foi em frente, e agora tanto pode tomar uma decisão fadada a cair no vazio, quanto pode se prestar ao papel de salvaguarda moral do PT.

Dificilmente uma posição favorável ao impeachment teria condições de prosseguir nos conformes constitucionais: a começar pela barreira da presidência da Câmara, cuja posição pelo arquivamento do pedido é desde já inequívoca.

Os conselheiros da OAB têm se mantido absolutamente discretos a respeito dos respectivos votos. Nem a colegas de profissão - alguns com assento no Supremo Tribunal Federal - revelaram sua posição. No máximo, informavam que passariam o fim de semana "debruçados" sobre o problema a respeito do qual na segunda-feira deveriam se manifestar.

Nenhum deles nutre a ilusão de que, sendo favorável ao impeachment, a decisão da OAB tenha chance concreta de prosperar frente a contingências políticas, sejam elas do governo ou da oposição.

Isso a despeito do convencimento individual dos integrantes do conselho da Ordem ou da impressão que tenha lhes provocado o encontro do dia 18 de abril com o presidente da República no Planalto.

Foi, no relato de mais de um participante, para resumir as opiniões, "desoladora" e ao mesmo tempo algo constrangedora. Lula falou o tempo todo numa linguagem, digamos, livre no que tange ao uso de termos impróprios ao ambiente e ao formalismo exigidos ao cargo e à natureza do encontro.

O presidente não impôs censura terminológica às considerações sobre as idas e vindas do ex-ministro Antonio Palocci na chamada casa de lobby da República de Ribeirão Preto que acabaram resultando em sua demissão do Ministério da Fazenda, alertou sobre a possibilidade de mobilizar movimentos sociais em defesa de seu mandato - disse especificamente que não estava eleitoralmente "morto" - e, ao falar sobre as injustiças das quais se considera vítima, fez uma confidência: disse que a estrela do PT desenhada nos jardins do Palácio da Alvorada foi iniciativa do jardineiro e não evidência de um desejo dele de fincar a marca do partido em propriedade do Estado.

"Queriam que eu demitisse o rapaz? Não poderia", disse aos conselheiros da OAB a título de justificativa.

O encontro evidentemente não balizará a decisão de amanhã da Ordem dos Advogados, mas sem dúvida serviu para os conselheiros tomarem mais consciência de que, seja qual for a decisão da entidade, eles não estarão transitando em terreno seguro nem conhecido à luz dos parâmetros habituais de comportamento.

Quem definiu melhor a situação, com uma frase sobre o comportamento da diplomacia e do governo brasileiros no episódio da Bolívia, mas que serve como tradução da anormalidade do cenário geral, talvez tenha sido o embaixador Sebastião do Rego Barros: "É muito difícil raciocinar quando se vê coisas que nunca se viu na vida."

Daí a sinuca em que se pôs a OAB, obrigando-se a uma decisão objetiva em meio a circunstâncias absolutamente inusitadas e subjetivas.