Título: Professores aprovam sistema de cotas
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Vida&, p. A16

Pouco mais da metade dos professores de quatro universidades públicas pioneiras no sistema de cotas raciais aprovam a iniciativa. O índice sobe para 66% quando os entrevistados são apenas os que deram aulas a alunos cotistas. A pesquisa é a primeira que mostra a opinião dos professores e retrata os três anos das políticas afirmativas em instituições do País. Ela foi realizada pelo Programa Políticas da Cor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Além da Uerj, foram ouvidos profissionais da Universidade de Brasília (UnB), Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e Universidade Federal de Alagoas (Ufal). No total, foram 557 professores. Para 73,7% deles, o desempenho nas aulas dos estudantes que ingressaram pelas cotas é bom ou muito bom. E apenas 10% deles acham que o nível acadêmico da instituição piorou depois da iniciativa. "Isso acaba com o medo de estarmos abrindo a porta para estudantes mal preparados", diz o pesquisador responsável pelo estudo, José Luis Pretruccelli.

"Os cotistas me motivam mais ainda. A atitude e o esforço são visíveis, eles se apegam à chance que tiveram", completa o professor da Uerj e jurista Luis Roberto Barroso, que dá aulas no curso de Direito. Para ele, no entanto, as cotas deveriam ser apenas uma solução transitória. "A justiça social só se consegue com igualdade de oportunidades desde o ensino fundamental."

A pesquisa mostrou também que a aprovação ao sistema de cotas muda conforme o curso. Os índices são maiores entre as áreas menos concorridas e que já têm mais estudantes negros e carentes, como História e Pedagogia. Nessa última, 74,7% dos professores se dizem favoráveis às cotas. Em Medicina, ocorre o inverso: 70,1% são contra. "Os professores que trabalham com a classe média e alta estão mais insensíveis à questão", acredita o diretor da ONG Educafro, frei David dos Santos, que mantém cursinhos comunitários.

"Tenho amigos que fazem Direito, Medicina e Engenharia e os professores entortam um pouco a cara. Mas nos cursos não elitistas acho que fomos muito bem aceitos", diz o cotista e estudante de História na Uerj Paulo Roberto Valdemiro, de 38 anos, que é o primeiro de sua família a cursar ensino superior.

A Uerj foi a pioneira no País a instituir o sistema de cotas, que teve várias regras mas, desde 2003, oferece 20% das vagas para negros, 20% para alunos de escolas públicas e 5% para indígenas e pessoas com necessidades especiais. A UnB também iniciou sua política afirmativa em 2003, com reserva de 20% para negros e 10 vagas para indígenas. Hoje, há quase 2 mil estudantes cotistas na UnB, a primeira universidade federal a adotar cotas.

CLIMA HOSTIL Segundo o professor e autor do programa de cotas na UnB, José Jorge de Carvalho, ainda há um "certo clima hostil entre os estudantes" por causa dos sistema de cotas. "Quem é cotista não gosta de falar sobre isso na aula", diz. "Geralmente, alunos que entraram pelo sistema convencional acham que as cotas não vão resolver o problema da desigualdade, mas nós sabemos que era preciso fazer alguma coisa urgentemente", conta a estudante de Administração Laura de Araújo Mercês, que ficou em primeiro lugar do curso na Uneb em 2003, quando a instituição iniciou o sistema de cotas.

Apesar dos relatos, a pesquisa mostrou que 77% dos professores acreditam que as relações raciais na universidade permaneceram iguais depois das cotas. Os dados mostram também que quase 80% deles acha importante ou muito importante que haja diversidade racial nos cursos universitários. "Nossas salas de aula ainda são muito homogêneas, não são uma fotografia da nossa sociedade", diz Carvalho.

As cotas, como obrigatoriedade nacional, são objeto de vários projetos de lei no País. O mais adiantado deles é o PL 73/99 que chegou a ser aprovado em comissões na Câmara, mas acabou sendo encaminhado também para o plenário e aguarda votação. O texto fala em reservar 50% das vagas das universidade federais para a estudantes de escolas públicas e subcotas também para negros e índios, conforme a porcentagem dessa população nos Estados. As cotas foram previstas na Reforma Universitária, preparado pelo MEC, mas agora o governo preferiu apoiar o projeto que já tramita na Câmara.

São hoje no País cerca de 30 instituições de ensino superior que têm ações afirmativas, a maioria delas com sistema de cotas. Em São Paulo, apenas a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) adotou a reserva de vagas em seu vestibular. A Universidade de São Paulo (USP) aprovou na semana passada um sistema que dá bônus nas notas de estudantes de escolas públicas, mas não favorece negros. O sistema lembra o adotado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas lá há pontos também para negros e índios.