Título: Lula e a imprensa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Notas e Informações, p. A3

"A liberdade de imprensa é a razão pela qual eu cheguei à Presidência, é a razão pela qual as instituições brasileiras dão demonstrações mais sólidas de crescimento e sustentabilidade democrática."

Esta curta observação, feita pelo presidente Lula na ocasião em que assinou a Declaração de Chapultepec - documento internacional que estabelece princípios fundamentais da liberdade de imprensa -, já pode ser considerada, por si, um dos mais lúcidos pronunciamentos do presidente da República, em seus 40 meses de gestão. Com efeito, corresponde inteiramente à verdade o fato de o inflamado sindicalista de São Bernardo dever à plena liberdade de expressão a carreira política que o levou ao topo do Poder. Diga-se o mesmo em relação a influência, dessa liberdade, no "crescimento e sustentabilidade" das instituições democráticas brasileiras. Há que se dizer também, no entanto, que o comportamento do presidente e seu governo, no que diz respeito ao relacionamento com a imprensa, esteve bem longe de significar o grau de respeito e consideração contido nas palavras de quarta-feira.

Reconheça-se que neste campo tem havido uma evolução. Durante quase toda sua gestão - com exceção dos últimos tempos, já pré-eleitorais - o presidente Lula se recusou ao saudável hábito das rotineiras entrevistas coletivas, preferindo sempre as comunicações oficiais. Só muito raramente se permitia convidar alguns jornalistas para um "café-da-manhã", mas nessas ocasiões fazia prevalecer mais um espírito de ameno congraçamento do que a intenção de passar informações realmente relevantes, do interesse da sociedade. Mas outros fatos marcaram um relacionamento tumultuado. Um deles foi a tentativa de expulsão do País do jornalista Larry Rohter, do New York Times, por este ter publicado matéria dando conta de hábitos etílicos do presidente.

Foi marcante, por outro lado, o envio ao Congresso Nacional da proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) - que tinha por objetivo expresso "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão. Por sobre ser um projeto gritantemente inconstitucional - já que a Constituição, por autodefesa histórica, em seu texto contém uma das maiores repulsas a qualquer espécie de censura -, a idéia do CFJ foi prontamente rechaçada pelos mais amplos setores da opinião pública e acabou - queremos crer - definitivamente sepultada. Embora não se referissem especificamente à imprensa - mas à liberdade de expressão, em gênero -, o famigerado projeto da Ancinav, tentando impor "orientações" à produção cultural, assim como o que pretendia colocar alguma "mordaça" no Ministério Público, foram outras tentativas, felizmente frustradas, de o governo Lula estabelecer cerceamento à livre manifestação de pensamento.

Se reconhecemos que houve uma boa evolução no relacionamento do governo Lula com a imprensa, nos últimos tempos - e esforcemo-nos para, de boa-fé, desvinculá-la de eventuais propósitos reeleitorais -, é porque se torna perceptível a tentativa de o presidente aproximar-se mais dos jornalistas e responder a perguntas, quando indagado. Mas também só quem tenha amadurecido sua percepção, quanto à capacidade de entendimento da sociedade, haveria de expressar com clareza aquilo que o presidente Lula disse, nestes termos: "Temos que acreditar que esse povo, por si só, consegue fazer uma diferenciação daquilo que é correto, daquilo que não é correto, daquilo que ele acha que é verdade e daquilo que ele acha que é exagero. Engana-se aquele político que acha que faz as coisas e pensa que o eleitor não faz o julgamento correto. E se engana, também, aquele que escreve alguma coisa sem imaginar ou sem acreditar que o povo tem capacidade de discernimento para saber o que é exagero, o que é verdade, o que é mentira."

Neste ponto a reflexão do presidente parece extremamente precisa. Restaria apenas torná-la exemplar, no sentido de que o pensamento e a ação - ou as palavras e o comportamento - se tornem cada vez mais associados, a ponto de expressarem a mesma coisa.