Título: O Uruguai prefere os EUA
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, propôs ao governo americano um acordo bilateral de comércio. A proposta foi apresentada em discurso no Departamento de Estado, na quarta-feira. Pela primeira vez o presidente uruguaio manifestou oficialmente, e em público, seu interesse num acordo com os Estados Unidos. Ele negou que pretenda abandonar o Mercosul, mas acrescentou que seu país "não pode dar as costas ao mundo".

Mas o Uruguai terá de abandonar a condição de sócio pleno do Mercosul, se quiser um acordo de livre comércio com um parceiro de fora. O bloco é uma união aduaneira e seus membros têm uma tarifa externa comum. Qualquer membro, em princípio, pode trocar esse status pelo de país associado, equiparando-se ao Chile e à Bolívia. O próprio presidente Tabaré Vázquez havia mencionado essa possibilidade, há dias, segundo se noticiou em Montevidéu. Parece claro, nesta altura, que ele não hesitará em deixar a união aduaneira, se o projeto de um acordo com os Estados Unidos - por enquanto apenas um desejo - prosperar.

O Uruguai, afinal, só poderá lucrar com a mudança, especialmente se o Mercosul continuar atolado nas querelas entre Brasil e Argentina e sem perspectiva de acordos com EUA e União Européia. Tabaré Vázquez disse em Washington que deseja um "Mercosul maior, mais profundo e integrado, que não fique fechado em si mesmo. Outros países do bloco, segundo ele, 'têm limitações e bloqueios que hoje lamentavelmente estão claros'."

A referência a Brasil e Argentina é mais do que clara, é perfeita na descrição. Sob o comando dos presidentes Lula e Kirchner, os dois países têm permanecido bloqueados ideologicamente, incapazes de lances mais pragmáticos e mais produtivos na diplomacia comercial. São esses bloqueios que tornam o Mercosul "fechado sobre si mesmo", perdendo oportunidades comerciais e de atração de investimentos.

Numa ironia não intencional, o que o presidente Tabaré Vázquez acabou dizendo foi que o Mercosul é pequeno para as ambições do Uruguai, habitualmente descrito como um dos sócios menores do bloco. Além disso, mostrou que o Uruguai pode ser grande porque tem pretensões bem definidas e o que oferecer e não se submete, como os seus sócios maiores, aos desígnios do populismo bolivariano. Pretende exportar carnes, lácteos, têxteis e software e está preparado para receber investimentos sem discriminação e com a segurança do respeito aos contratos.

A iniciativa do presidente uruguaio de propor o acordo com os Estados Unidos torna mais evidente a fragmentação do Mercosul. Seu antecessor, Jorge Batlle, já havia concluído um acordo de proteção de investimentos com o governo americano, à margem das negociações da Alca. Essas negociações empacaram, em grande parte por causa da resistência do Brasil e da Argentina. Por que deve o Uruguai pagar pela teimosia de seus sócios?

"O Mercosul é mais um problema que uma solução para o Uruguai", havia dito recentemente o presidente uruguaio. Em Washington, nesta semana, foi mais incisivo: "O Mercosul, como está, não serve ao Uruguai." O bloco, explicou, não deve ser uma "jaula de ouro" nem "um clube com sócios de primeira e de segunda categorias".

Os sócios "de primeira", Brasil e Argentina, têm dedicado tempo em excesso à discussão de questões bilaterais, pondo de lado os interesses de Uruguai e Paraguai. Não só o governo uruguaio tem protestado contra essa distorção. Também o paraguaio tem mostrado crescente desagrado em relação à política dominante no Mercosul.

O descaso do governo brasileiro em relação aos interesses do Uruguai foi manifestado de modo ainda mais contundente nas últimas semanas. O governo do presidente Tabaré Vázquez pediu a mediação do Brasil no conflito com a Argentina em torno da construção de duas fábricas de celulose à beira do Rio Uruguai. O governo brasileiro recusou intervir, declarando que uma solução bilateral seria mais adequada. Essa atitude foi confirmada durante visita do presidente argentino ao Brasil.

Se o governo uruguaio precisasse de um estímulo adicional para buscar um caminho próprio, independente da política do Mercosul, recebeu-o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesse episódio