Título: Reservas cambiais - custo e benefício
Autor: Antonio Corrêa de Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Manter reservas cambiais representa um custo, mas também e principalmente um benefício para os países. Na verdade, tendo em vista o panorama econômico mundial, possuir reservas cambiais expressivas tornou-se uma necessidade. É uma defesa natural ante a crescente volatilidade dos mercados provocadas pelos movimentos de capitais.

O ponto que tem sido mais destacado para a opinião pública, no caso brasileiro, é o seu custo e a principal crítica à acumulação de reservas cambiais tem sido o elevado impacto fiscal envolvido. Como o Tesouro tem de emitir títulos da dívida pública para enxugar a emissão monetária - contrapartida do aumento das reservas -, o diferencial entre taxas de juros externas e internas representa um ônus. Somente no primeiro trimestre deste ano esse diferencial de custo foi de R$ 10 bilhões.

No passado, a recomendação era de que os países possuíssem um nível de reservas pelo menos equivalente a 12 meses de importações. Mas essa era uma fase anterior à globalização dos anos 80, em que havia pouca mobilidade de capitais e o papel das reservas cambiais era o de fazer frente aos compromissos mais imediatos, relacionados ao comércio exterior.

A realidade imposta pela "financeirização" dos últimos 20 anos mudou significativamente esse panorama. Dada a enorme volatilidade dos fluxos financeiros internacionais e os movimentos especulativos dos mercados, o papel das reservas cambiais passou a ser o de criar uma barreira aos ataques especulativos contra as moedas e dar mais autonomia aos bancos centrais e às políticas econômicas domésticas.

Esse novo quadro criou pelo menos três categorias de países, numa classificação rústica. A supremacia é exercida pelo emissor da moeda de referência, os EUA. Numa segunda categoria estariam aqueles emissores de moedas conversíveis, como os países da região do euro, a Inglaterra e o Japão. Numa terceira categoria estariam aqueles países não emissores de reservas conversíveis e que adotam a estratégia de acumular reservas.

O Brasil está na terceira categoria, embora de maneira um tanto tímida. Desde o final de 2002 nossas reservas líquidas evoluíram de US$ 17 bilhões para estimados US$ 63 bilhões (maio de 2006). Embora seja um crescimento expressivo nos últimos quatro anos, ainda estamos num nível aquém de países semelhantes, como veremos a seguir.

Japão e China são países de enorme volume de reservas, ambos com mais de US$ 850 bilhões cada um. Mas, mesmo países de porte semelhante ao brasileiro, considerando os seus respectivos produtos internos brutos (PIBs), possuem reservas mais robustas. É o caso de Taiwan, com reservas de US$ 257 bilhões; Coréia do Sul, com US$ 217 bilhões; Rússia, com US$ 206; e Índia, com US$ 145 bilhões. Não por acaso são países que têm mantido taxas médias sustentadas de crescimento econômico de cerca de 6,5% ao ano.

Grande parte dessas reservas está aplicada em títulos do Tesouro norte-americano, apesar do baixo rendimento dessas aplicações, de cerca de 5% ao ano. As reservas dos países representam um verdadeiro seguro para os momentos de instabilidade.

Uma pergunta recorrente e difícil de responder é qual seria o montante ideal de reservas para o Brasil. Difícil porque existe uma parcela previsível da necessidade de recursos externos dados pela remuneração e estrutura do passivo externo do País. Mas existe uma outra parcela absolutamente imprevisível que é dada pela demanda por dólares num momento de crise.

Como diziam nossas avós, cautela e caldo de galinha não fazem mal. Portanto uma escolha prudente para países como o Brasil é acumular um valor expressivo de reservas. Isso tem um custo, mas política econômica é feita de escolhas. A alternativa menos arriscada é possuí-las. Na verdade a maior distorção vem mesmo das elevadas taxas de juros domésticas, muito acima da média internacional. Contraditoriamente, um nível maior de reservas é um dos grandes pré-requisitos para uma efetiva redução das taxas de juros, na medida em que propiciará maior autonomia das políticas econômicas domésticas pelos motivos já expostos.

*Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela Unicamp, é professor-doutor da PUC-SP e autor, entre outros livros, de Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil (Saraiva, 2004). E-mail: aclacerda@pucsp.br