Título: Produtores declaram guerra a Evo
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Economia & Negócios, p. B13

Com a presença de produtores brasileiros de soja e de cana, o setor agropecuário da Bolívia declarou ontem guerra ao governo Evo Morales. Na maior demonstração de unidade do setor rural produtivo da história da Bolívia, 1,1 mil produtores rechaçaram o plano do novo governo boliviano de patrocinar uma segunda reforma agrária no país a partir do uso de mecanismos de expropriação para redistribuição de terras.

Os discursos inflamados durante a reunião extraordinária, realizada no espaço Expo Santa Cruz, condenaram o plano do governo Evo de lançar projeto de lei e outros seis decretos que alteram integralmente o atual marco regulatório que ampara a atual segurança jurídica para as terras na Bolívia, a propriedade privada, por fim, o próprio modelo do agronegócio desenvolvido nos últimos anos no país. "Não é uma guerra apenas pela terra. O que defendemos aqui é a garantia do modelo produtivo, o único possível para o desenvolvimento", diz Zacarias Baldi, sojicultor brasileiro, há mais de 15 anos na Bolívia.

Amélia Dimitri, produtora de soja no Departamento de Santa Cruz, levantou os mais de 1 mil produtores presentes à assembléia, quando convocou todos à guerra contra o governo Evo Morales. Disse que as terras para reforma agrária existentes em Santa Cruz são para os campesinos de Santa Cruz. Não foi a única a dizer que o Departamento se levantará contra qualquer ação hostil do novo governo. A vice-presidente da Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), Piedade Roca de Espinoza, falou que o setor usará "todos os meios que estejam ao alcance" contra a nova política de terras do governo.

Entre as alterações temidas por pequenos, médios e grandes produtores (estrangeiros ou não) estão a expropriação de terras para redistribuição a grupos de campesinos e indígenas da região das Cordilheiras (do Altiplano). Os produtores acusam o governo de adotar uma postura incentivadora de invasões de áreas. As cinco invasões de terras patrocinadas pelo MST local não foram combatidas pelo governo Evo Morales. O setor produtivo acusa o Movimento ao Socialismo (MAS), partido do atual presidente, a promover com o aval do Ministério de Terras invasões de áreas produtivas.

Para José Céspedes Álvarez, presidente da Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), que patrocinou o inédito encontro contra o governo, disse ao final da assembléia que o setor não aceita outro interlocutor senão o presidente Evo Morales. "Não adianta mais falar com o ministro ou o vice-presidente. Criamos um comitê de defesa das terras e abrimos agora um canal. Mas só aceitamos falar com Evo a partir de agora", afirma.

Álvarez não descartou o uso da força, na retirada de invasores de terras ou para a defesa de decisões governamentais de expropriação de áreas. O governo ameaça usar as Forças Armadas no cumprimento da ordem de desalojar donos de áreas que julgar em situação ilegal.

A pauta tirada ao fim da reunião significa a adoção de uma postura de confronto. Os seis tópicos incluídos no documento são: 1) rechaça toda a política de refundação do tema terra proposta pelo atual governo; 2) exige blindagem com segurança jurídica a propriedade privada e a adoção de postura contrária às invasões de terras; 3) pede a ampliação do prazo para processo de saneamento de terras, que no país não alcançou 25% das áreas e foi interrompida pelo governo; 4) quer respeito às diferenças regionais no saneamento de terras; 5) recomenda a simplificação do processo de regularização de terras e identificação das glebas fiscais consideradas aptas ao processo de reforma agrária; e 6) cobrar do governo um plano de desenvolvimento para recuperação das terras do Altiplano, de onde o governo quer retirar indígenas e campesinos para o processo de reforma agrária.