Título: Por um Ministério da Segurança Pública
Autor: Benedito Domingos Mariano
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

As ações promovidas pelo PCC no mês passado - rebeliões, queima de ônibus, o assassinato de policiais civis, militares e guardas municipais - são demonstrações inequívocas de que o Estado não tem uma política eficiente para enfrentar o crime organizado. Os primeiros noticiários sobre ações do PCC datam de 1995, ou seja, o governo do Estado não conseguiu, em mais de uma década, entender o funcionamento e a estrutura dessa modalidade de crime organizado, que, não dirimida e combatida, gera ações recorrentes e cada vez mais organizadas, culminando com os episódios recentes que causaram pânico na cidade e no Estado mais desenvolvido do País.

Crime organizado existe praticamente no mundo todo e a forma mais eficiente de enfrentá-lo é com inteligência policial. Se as ações do crime organizado são grandes, isso se deve ao fato de que a política de segurança pública do Estado para inibir esse tipo de crime é improvisada e ineficiente, razão por que é sempre reativa.

É fundamental nos solidarizarmos com os familiares dos policiais mortos. Em menos de uma semana, o crime organizado vitimou letalmente um número de agentes do Estado sem precedentes na nossa História recente. E inaceitável o indício de que unidades policiais não tenham sido devidamente alertadas e preparadas para a possível reação do PCC.

O terror produzido por uma organização criminosa que atua dentro e fora dos presídios só cessou, segundo noticiado, após um acordo com o líder do PCC (acordo esse negado pelo governo). Caso seja verdadeiro, esse fato enfraquece as instituições e põe em xeque a capacidade do governo de lidar com a crise.

Por coincidência ou não, no instante em que diminuíram as ações dos criminosos, aumentou drasticamente a violência policial letal. À truculência não se responde com truculência. A visão reacionária de que a eficiência policial é medida pelo número de pessoas que a polícia mata leva, inevitavelmente, ao abuso de autoridade e à morte de inocentes e não produz nenhum efeito na diminuição da violência e do crime, ao contrário, alimenta-os.

O Congresso Nacional perdeu a oportunidade de aprovar propostas visando a reformar o sistema prisional e o setor de segurança pública brasileiro. Preferiu o caminho curto de medidas reativas em resposta à crise da segurança pública, que cria fato político imediato, mas não promove mudanças estruturais. A desconstitucionalização do artigo 144 da Carta Magna, por exemplo, e a instituição de um sistema único de segurança pautado pelas diretrizes de ciclo completo da atividade policial, participação da sociedade e integração das três esferas de governo, uma das propostas que reformariam estruturalmente o modelo de polícia no Brasil, não foram objeto de reflexão dos congressistas.

A curto prazo, é imperativa a formação de um grupo permanente de inteligência policial integrado pela Polícia Federal e pelas Polícias Militares e Civis, com a finalidade de diagnosticar, mapear e subsidiar ações de enfrentamento do crime organizado. Se na ditadura os órgãos de inteligência foram usados para bisbilhotar partidos políticos, movimentos sociais, sindicais e populares, a democracia tem o dever de construir (nos limites da legalidade que a constitui) a inteligência para enfrentar e coibir o crime organizado em todas as suas modalidades.

Mais de 95% do efetivo policial do sistema de segurança pública brasileiro está centralizado nos Estados federados. Várias mudanças estruturais que independem do Congresso Nacional poderiam ser efetivadas pelos governadores dos Estados, tais como: criação de órgão corregedor unificado, autônomo e independente das direções das polícias; proibição efetiva da participação dos policiais em empresas privadas de segurança; criação e fortalecimento das ouvidorias de polícias; mudança nos regulamentos disciplinares das Polícias Militares e nas leis orgânicas das Polícias Civis; e autonomia dos órgãos periciais.

É preciso aproveitar a crise para debater e aprovar no Congresso Nacional a regulamentação das Guardas Civis, como polícias municipais preventivas e comunitárias. Os municípios podem dar uma contribuição fundamental nas ações preventivas, em especial com ações voltadas para a juventude das periferias, as principais vítimas da cooptação do crime organizado. Os guardas civis são mortos como policiais, mas não são reconhecidos institucionalmente como força policial.

A participação do governo federal é fundamental. Não com a "Força Nacional", um agrupamento formado por policiais militares de vários Estados. Tampouco com o Exército, cuja contribuição em casos extremos será sempre reativa. O governo federal deve contribuir, no mínimo, na custódia de presos envolvidos com crime organizado. Felizmente, tivemos notícia da construção do primeiro presídio federal. Seria necessária pelo menos uma dezena de presídios federais destinados à custódia desses presos.

Talvez o maior gesto simbólico de que o governo federal pretende colocar na sua agenda de prioridades a segurança pública seja a criação de um Ministério da Segurança Pública, como órgão gestor, coordenador, articulador e promotor da política nacional de segurança. É preciso decisão política para estabelecer segurança pública como prioridade de Estado. Ou realizamos amplas reformas no setor de segurança pública para torná-lo eficiente no enfrentamento da criminalidade comum e organizada ou continuaremos contando mortos e convivendo com as propostas reativas de sempre.