Título: Uma cúpula difícil para Kirchner
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2006, Economia & Negócios, p. B10

Argentino terá de lidar com ofensiva da Venezuela para entrar no bloco e possível ausência do líder uruguaio

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, vai presidir uma cúpula do Mercosul que promete ser difícil. Na cidade argentina de Córdoba, nos dias 20 e 21 de julho, Kirchner vai lidar com a presença ostensiva do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que ganha terreno como líder da região, e com a provável ausência do presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, com o qual tem problemas por causa da construção de duas fábricas de celulose na fronteira entre os dois países.

Chávez está negociando a promoção da Venezuela a sócia plena do Mercosul. Na cúpula anterior, em Montevidéu, os países do bloco definiram a Venezuela como sócio pleno, mas com a ressalva de "em estado de adesão". Com isso, Chávez pode adquirir mais peso. A adesão plena começou a ser discutida ontem em Buenos Aires.

O presidente argentino também vai precisar usar de diplomacia, que não é seu forte, para que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Evo Morales, da Bolívia (país associado do Mercosul), tenham convivência pacífica, sem troca de farpas por causa da nacionalização do gás boliviano e o aumento do preço do produto.

Chávez, que no domingo abandonou o G-3 (formado pela Venezuela, Colômbia e México), sustentou que a decisão foi tomada para "reforçar a entrada no Mercosul".

Chávez terá maior peso a partir dessa cúpula, já que estão a pleno vapor as negociações para formalizar o status venezuelano como o de sócio pleno do Mercosul. A Venezuela também abandonou a Comunidade Andina de Nações (CAN), o que pode fazer com que sua adesão plena ao Mercosul fique mais fácil.

Enquanto a Venezuela tenta engrossar o Mercosul, Paraguai e Uruguai dão sinais de que buscam parcerias fora do grupo. Na sexta-feira, o presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos, afirmou que seu país e o Uruguai pediriam permissão ao Mercosul para fazer acordos de livre comércio com outros países.

Desde meados do ano passado, tanto em Assunção como em Montevidéu cresceu a simpatia por eventuais acordos de livre comércio com os Estados Unidos. O próprio Tabaré declarou-se insatisfeito com o Mercosul: "Do jeito que está, não serve."

No fim de semana, os assessores de Tabaré deram sinais de que ele poderia não comparecer à cúpula do Mercosul. No âmbito diplomático, em Buenos Aires, essa possibilidade era comentada como "o feitiço que vira contra o feiticeiro", já que Kirchner não compareceu a diversas cúpulas presidenciais na região, causando constrangimento.

Tabaré parece não ter a intenção de pôr os pés em território argentino enquanto não for resolvida a guerra da celulose, cujo pivô é a construção de duas megafábricas de papel e celulose no município uruguaio de Fray Bentos, sobre as margens do Rio Uruguai.

Kirchner exige a suspensão da construção das fábricas, alegando que elas causarão danos ambientais e econômicos à Argentina. Tabaré defende as empresas, já que são cruciais para a recuperação econômica, pois representam o maior investimento privado da história do Uruguai, em um total de US$ 1,8 bilhão, o equivalente a 13% do Produto Interno Bruto (PIB) desse país. A disputa será analisada na primeira semana de junho pela Corte Internacional de Haia.