Título: Ensaio de um dia de cão
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

O mercado financeiro mundial ensaiou ontem um dia de cão. O tombo das bolsas, a valorização do dólar e o avanço dos prêmios de risco mostram que os aplicadores estão atrás mais de segurança que lucro.

Por trás desses movimentos estão as espetadas da inflação dos Estados Unidos. Em abril, apenas o núcleo da inflação, que é o número expurgado dos preços dos alimentos e da energia, saltou 2,3% em 12 meses, muito acima dos padrões.

Inflação ocorre quando os desequilíbrios da economia não são consertados a tempo. É o jeito como os melões se acomodam no sacolejo da carroça.

Um dos desequilíbrios é o enorme déficit nas contas externas dos EUA, de US$ 700 bilhões, coisa de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso significa que o consumidor está gastando mais do que ganha. Os preços sobem, a gasolina ficou muito mais cara, o valor dos imóveis está onde nunca esteve. Em vez de cortar despesas para ajustar seu orçamento, o americano está hipotecando imóveis para torrar o dinheiro no consumo.

Por enquanto, a China vai transferindo poupança na forma de compra de títulos do Tesouro americano. Essa situação é insustentável. O que o mercado está perguntando é sobre quando começará o ajuste e se ele será suave ou brusco.

Se for brusco, os juros terão de subir acima dos 5% ao ano, onde estão hoje, e poderão (ou não) pôr em marcha uma recessão. Se isso acontecer, o comércio será reduzido e a economia globalizada enfrentará uma paradeira.

Os holofotes estão voltados para o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) que terá agora de decidir para onde vão os juros. O homem é Ben Bernanke, que está mandando sinais contraditórios. Um dia, dá a entender que os juros americanos vão passar por um período "de pausa" e, no outro, que subirão o quanto for necessário para controlar a inflação.

As contas externas do Brasil estão em melhores condições para enfrentar a eventualidade de um tranco. Mas algum estrago seria inevitável. O problemão é a dívida alta demais e essa enorme propensão do governo a gastar demais, que puxa os juros, a dívida, os juros.