Título: 'Decidirei candidatura na hora certa'
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2006, Internacional, p. A12

Kirchner diz que não está certo de buscar segundo mandato e analisa que coalizão entre partidos mostraria maturidade

Em uma longa entrevista ao jornal El Clarín, o presidente argentino, Néstor Kirchner, revelou sua intenção de realizar um acordo para as eleições de 2007, de forma a ter um candidato a vice vindo de outro partido. A seguir, trechos da entrevista.

A campanha da reeleição começa em 25 de maio?

Não, dia 25 é uma convocação para as pessoas nos acompanharem, celebrarem, como tem acontecido em outros anos nesse dia 25. Foi o que fizemos em Santiago del Estero no ano passado e este ano faremos aqui, lembrando os três anos que estamos no governo. Mas sem nenhuma conotação partidária e sob nenhum aspecto se trata de candidatura, reeleição ou algo parecido. O que pedimos à sociedade é que nos ajude e estou pedindo a todos os que têm responsabilidades de governo para que nos dediquemos a governar em 2006 e 2007. Os processos eleitorais, num país que precisa voltar à normalidade, têm de ter sua fase normal.

Quando o sr. se decidirá?

Não...eu, qualquer coisa que lhes diga não vão acreditar em mim...Se digo que não vou me candidatar à reeleição, não vão acreditar em mim...

Este é um prejulgamento.

Não, é trabalho de vocês perguntar, investigar, desconfiar...É a profissão de vocês, foram vocês que escolheram, não eu. Portanto, qualquer definição da minha parte encheria páginas dos jornais, ou não. De qualquer forma seriam feitas análises a respeito. Então, quero ser sincero. É um assunto que será definido no momento certo. É preciso informar a população, dizer qual a decisão tomada.

O tema da reeleição não será levantado no dia 25, na Praça?

Primeiramente, há este espaço pluralista que precisamos construir na Argentina. Antes de se falar quem será candidato, é preciso entender que a construção da governabilidade no país foi passando por várias etapas. Chegamos agora a uma etapa mais pluralista porque é preciso consolidar a governabilidade, a qualidade das instituições, um esforço ainda maior do que o que fazemos hoje. E para isso é preciso ter muita generosidade.

Por isso o sr. busca firmar um pacto com a União Cívica Radical? Por que o parentesco com a esquerda não funcionou?

Não, não. Creio que se falou em parentesco porque se referia a acordos de forças, de partidos. Porém, fazer uma pacto significa ir além do nível partidário, para chegar no nível de organizações sociais, das idéias distintas que permitam dar uma nova síntese ao país.

Pode haver, em 2007, uma fórmula com um peronista, seja o sr. ou não, e um vice de outro partido?

Independentemente de quem seja o candidato, isso seria muito importante para o país, um exemplo extraordinário de amadurecimento.

A falta de oposição se deve aos próprios erros dela, ou a uma ação do governo para enfraquecê-la?

Não, as oposições modernas engendram projetos alternativos, lideranças alternativas, saem da incapacidade e partem para as propostas. O grande desafio da oposição é poder criar uma alternativa melhor, não?

A falta de uma oposição forte, a tendência à concentração do poder e um Congresso que funciona quase como um braço estendido do governo não prejudicam a qualidade institucional?

Analisemos, primeiro, o que é concentração do poder. Estou exercendo o governo do Estado de acordo com o que dispõe a Constituição. Não concentro poder. Exerço e tomo as decisões que as leis me permitem e, em nenhum momento, tomei alguma decisão que violasse o estatuto legal. Assim, falar em concentração do poder equivale ao que se falava de um governo em que o presidente não tomava decisões. Sou o presidente e, se não tomo decisões, o país fica paralisado. E no Congresso, é natural que os deputados oficialistas transmitam a vontade do que as pessoas votaram no ano passado.

Devemos nos acostumar a uma inflação da ordem de 10% nos próximos anos?

O México, em 1994, teve uma desvalorização de 100%. Há 15 anos, o Chile fez uma desvalorização e teve, por quase 10 anos, mais de 12 e 14% de inflação. Ou seja, uma adequação de preços relativos. E o que aconteceu na Argentina? Fizemos uma desvalorização de 300%, de forma assimétrica, de um dia para outro. Mas faltou a adequação dos preços relativos. Assim, é natural que um país que cresce como a Argentina, com a desvalorização que teve, tenha algum efeito inflacionário. Mas creio que está tudo absolutamente sob controle. É preciso ser bem heterodoxo.

Pode-se sustentar esta política com uma alta dose de pressão sobre os empresários?

Eu quero - como sempre falei com Roberto (Lavagna) - ver a cadeia de custos. Quero chegar ao custo da rentabilidade. Porque há uma empresa, que não vou citar o nome, que quis, no passado, um aumento. E nós mostramos que ela estava com 33,7% de rentabilidade. Eu disse: bom, agora vamos procurar no mundo quem tem essa margem. Não, me responderam, vamos deixar assim. Porque não iria encontrar em lugar nenhum.

A dívida junto ao Clube de Paris será paga no seu governo?

Com certeza vamos começar a renegociar. Essa dívida está entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões. A Espanha deu bilhões de dólares à Argentina no momento culminante da crise. Neste caso, temos uma grande responsabilidade moral.