Título: Amorim vai à Bolívia em busca de reparação
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Economia & Negócios, p. B8

Ministro dirá a Evo que direitos da Petrobrás terão de ser respeitados

Fortalecido pela recente decisão de reduzir a dependência do gás boliviano e pelo anúncio da Petrobrás de não investir mais nenhum tostão no país vizinho, o governo brasileiro vai cobrar do governo Evo Morales os direitos adquiridos da estatal brasileira na Bolívia e uma real compensação pelo patrimônio perdido com o decreto que nacionalizou o setor de gás e de petróleo. Missão comandada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, embarcará hoje a La Paz para tratar amanhã desses temas nevrálgicos com o presidente e pelo menos três ministros bolivianos.

De caráter político, a missão de Amorim foi acertada no último dia 13, em Viena, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrou uma espécie de trégua com Evo, que vinha atacando duramente a Petrobrás e o Brasil. Três dias antes, em entrevista, Evo havia acusado a Petrobrás de sonegar impostos e contrabandear gás, além de ter suprimido o Brasil da sua lista de nações que "apóiam incondicionalmente" a Bolívia. Uma gravação da entrevista foi ouvida atentamente, horas depois, por Lula e Amorim. No dia 12, Evo recuou, culpou a imprensa e informou que se reuniria com Lula na manhã seguinte.

Se tiver êxito, o encontro de amanhã entre Amorim e Evo terminará com o anúncio de uma visita oficial do presidente boliviano a Lula, em Brasília. Seria o sinal diplomático para abertura de um diálogo mais positivo sobre as questões relacionadas ao destino da Petrobrás na Bolívia, às relações bilaterais e a temas de especial interesse do governo Evo - cooperação e financiamento brasileiro, bem como a continuidade da absorção do gás extraído no país. Um desfecho contrário já não interessa mais a La Paz, garantem diplomatas brasileiros.

Para a visita de Amorim, curiosamente, o governo de Evo preparou uma série de pedidos ao Brasil. La Paz precisa de financiamento dos bancos oficiais brasileiros a seu projeto de adquirir mais uma centena de tratores agrícolas no País. Igualmente pretende ver reabilitada linha de crédito de US$ 600 milhões do BNDES para obras de infra-estrutura na Bolívia. Evo pretende obter pelo menos uma parcela desses créditos para a construção de uma rodovia que conectará a Bolívia à via interoceânica que atravessará o Acre e o Peru.

Evo ainda emitiu sinais claros à embaixada brasileira em La Paz de que pretende ver aplicados, na prática, os acordos de cooperação técnica em áreas como saúde, educação e agricultura firmados por uma missão conduzida pelo secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Ocorrida na véspera do anúncio pirotécnico da nacionalização e da ocupação militar das refinarias da Petrobrás na Bolívia, essa missão havia sido ignorada por Evo Morales.

Embora a negociação pontual sobre questões relacionadas à Petrobrás na Bolívia continue a ser conduzida por delegações comandadas pelos ministros de Minas e Energia, Silas Rondeau e Andrés Solíz Rada, Amorim deixará clara uma posição do governo brasileiro bem distinta daquela expressa pelo Palácio do Planalto no dia 2 de maio. Ao chanceler caberá a tarefa de afirmar com clareza que o Brasil pretende manter o clima de entendimento e de diálogo bilateral, mas que os direitos da Petrobrás terão de ser respeitados. Caso contrário, o País não vai titubear e recorrerá à arbitragem internacional.

Também deixará claro que a companhia brasileira deverá ter o direito de contratar uma auditoria independente para confrontar os dados da investigação que o governo boliviano fará nas suas contas e no seu patrimônio. Na sua missão, Amorim poderá se poupar de apresentar mais detalhes da posição do governo, exibidos pelo presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, no último dia 16, no Congresso Nacional, e na quinta-feira, ao final da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

La Paz já havia assimilado o golpe das decisões da Petrobrás de não mais construir um segundo gasoduto, de não elevar as importações de gás e de instalar unidades de regasificação de Gás Natural Liquefeito, que processariam o insumo comprado de Trinidad e Tobago e da África. Mas não se sabe ainda a reação do governo Evo às determinações do CNPE, como a de antecipar para 2008 a produção adicional de 24,2 milhões de metros cúbicos de gás por dia no País - volume similar à atual importação do insumo da Bolívia - e de usar o etanol como alternativa ao gás natural consumido pelas termelétricas.