Título: Prisões privatizadas (2)
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

O sistema penitenciário brasileiro está em crise. Não seria este o momento de adotar a administração privada das prisões para garantir mais eficiência e mais proteção à sociedade?

Na edição de ontem, esta coluna resumiu os pressupostos do projeto e as primeiras experiências. E expôs as críticas de um especialista no assunto, o professor Laurindo Dias Minhoto, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP.

Hoje, seguem as reflexões da socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Estado do Rio, também especialista no assunto. Ela começa pela dimensão ético-moral: "Se é o Estado que priva o indivíduo de suas liberdades, é também ele que deve administrar essa privação, sem tentar tirar proveito (lucro) disso." E adverte que "privatizar prisões é permitir que o dinheiro dos impostos encha os bolsos de aventureiros".

A empresa que se dispõe a construir uma prisão quer não só recuperar os recursos investidos na obra, mas ter lucro com a administração. Seu faturamento é proporcional ao número de presos sob sua guarda.

Em outras palavras, ao fazer a licitação para construção de novas unidades penitenciárias e assegurar sua administração, o poder público se compromete a remeter às prisões o número de condenados que garanta o lucro previsto. "Nos Estados Unidos, há casos em que as autoridades tratam de buscar presos em outros Estados apenas para garantir a população carcerária mínima acertada previamente", diz. Para que o sistema funcione, é preciso que haja número suficiente de sentenciados. Quando não há...

"Não é de admirar que os executivos dessas companhias andem alardeando que o crime compensa e que têm nas mãos um negócio hoteleiro fantástico, com garantia de 100% de ocupação permanente", argumenta Julita Lemgruber.

Ela evoca relatório do General Accounting Office, organismo do governo americano, para o qual não há evidências de que as prisões privadas custem menos ao setor público do que as convencionais.

Outra distorção é o desinteresse dos administradores pela aplicação dos benefícios penais prevista em lei (encurtamento da pena, por exemplo): soltar os presos prejudica os resultados da empresa. Por isso, tudo se faz para evitar concessões de livramento condicional. Em muitos casos, os funcionários da administradora da prisão orientam-se espontaneamente a agir assim porque parte importante de sua remuneração é obtida em participação acionária, o que aumenta seu interesse direto nos lucros, que, por sua vez, depende da lotação carcerária.

Minhoto entende que o sistema privatizado não é confiável nem aqui nem no exterior. E que tantas são suas distorções que é melhor reformar o sistema público de administração carcerária do que insistir no modelo privatizado.

Embora tão crítica quanto Minhoto, Julita Lemgruber entende que há algum espaço para o setor privado. A experiência com as ONGs, que não visam ao lucro, mostra que é possível confiar a administração de alguns serviços das prisões, como alimentação e assistência médica, odontológica, psicológica, jurídica e social.