Título: Depois de dez anos, Chirac volta enfraquecido ao Brasil
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Internacional, p. A24

Presidente francês, que conta com a confiança de apenas 19% da população, chega quinta-feira a Brasília

PARIS

O presidente Jacques Chirac que chega ao Brasil na quinta-feira nada tem a ver com o chefe de Estado francês que esteve no país em 1996, no auge de seu poder político. Hoje, no fim de seu segundo mandato (que termina em 2007), seu poder vem sofrendo um forte desgaste e o presidente bate recordes de impopularidade na história da 5ª República, criada pelo general Charles de Gaulle em 1958. Segundo a pesquisa de opinião mais recente, apenas 19% dos franceses ainda confiam no presidente, que perdeu as condições para disputar um terceiro mandato presidencial (o que a lei francesa permite) e fracassou na tentativa de fazer o sucessor, o primeiro-ministro Dominique de Villepin, depois de três trombadas políticas que podem significar o fim de sua carreira.

O último ano de seu mandato presidencial foi minado pela onda de violência de novembro nos subúrbios franceses, pela crise em torno do projeto do Contrato do Primeiro Emprego (CPE), no inicio do ano, e agora pela suspeita de que seu primeiro-ministro teria sido o inspirador de uma denúncia falsa envolvendo seu principal rival, Nicolas Sarkozy - ministro do Interior e pré-candidato à sucessão -, num caso de comissões ocultas e contas bancárias no exterior. Soma-se a isso a derrota do governo no referendo sobre a Constituição européia e o fraco balanço de sua gestão após 11 anos na presidência.

Jacques Chirac está sendo obrigado a engolir uma candidatura que não desejou e chegou a combater no interior de seu partido, a União da Maioria Presidencial (UMP), cujo controle ele perdeu para o ministro Sarkozy.

Quanto ao anfitrião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nacionalização do gás e do petróleo na Bolívia, com conseqüências negativas para a Petrobrás, atingiu fortemente o reconhecimento, na Europa, de sua liderança na América Latina, fazendo-o acumular mais um revés diplomático. Jornais europeus como o diário econômico francês Les Echos se referem ao presidente Lula como "o grande irmão sem império". O mesmo jornal lembra que os diplomatas de Brasília têm tendência a considerar a liderança de seu país como "natural".

O presidente Lula, desde 2003, "posa de grande líder disposto a confederar a América do Sul", integrando a região a partir de círculos concêntricos, cujo epicentro seria Brasília, assinala Les Echos, acrescentando que o Brasil é muito grande e forte para não surgir como suspeito aos olhos de seus vizinhos. Suas veleidades chocam o nacionalismo em voga em vários países da região.

IMPORTÂNCIA REDUZIDA O que se pode esperar dessa visita relâmpago de um presidente enfraquecido politicamente a um outro ferido diplomaticamente ? Quase nada, afirmam alguns assessores do próprio Chirac, que chegaram a aconselhar o cancelamento da viagem, mas só obtiveram a redução de sua importância, mesmo que ela ainda seja apresentada pela França e Brasil como uma viagem de Estado.

A dias da visita, foram concluídas poucas negociações de acordos e existe o risco de que os acordos previstos não passem de simples protocolos de intenção em diversas áreas: inovação tecnológica, intercâmbio de funcionários diplomáticos, cooperação na área de biocombustível e cooperação na área nuclear civil, ainda dependendo de uma decisão sobre a construção da usina Angra 3.

A meta dessa viagem é o Chile, onde Chirac ainda não pôs os pés desde que assumiu a presidência na França, em 17 de maio de 1995.

PROGRAMA Em Brasília, o programa de Chirac, praticamente protocolar, dura apenas um dia - tempo de o presidente francês comparecer ao Supremo Tribunal Federal, almoçar e conversar com o presidente Lula no Palácio da Alvorada, discursar no Congresso e participar de uma recepção à noite no Itamaraty. Na manhã do dia 26 ele segue para Santiago.

A parte mais interessante da passagem do chefe de Estado francês por Brasília será sua conversa política com o presidente brasileiro, quando serão abordados os temas mais polêmicos do momento. Um deles é a crise em torno do programa nuclear iraniano. Outro é a decisão do presidente boliviano, Evo Morales, de nacionalizar o gás e o petróleo: as duas empresas internacionais mais prejudicadas por essa decisão foram a Petrobrás e a francesa Total. Também deverá ser discutida a questão dos subsídios agrícolas, que breca toda negociação na área da Organização Mundial do Comércio. Nesse setor, a França e o Brasil não abrem mão de suas posições , surgindo como os países mais intransigentes, apesar de suas excelentes relações políticas.

Outro tema em que o Brasil poderá insistir será o de sua aspiração, apoiada pela França de Chirac, a ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas - uma antiga reivindicação que o País continua perseguindo, sem ter conseguido, até agora, contornar os obstáculos nesse caminho. Isso apesar de o Brasil comandar as tropas de paz das Nações Unidas no Haiti, em parte por insistência do próprio Chirac.

Os dois presidentes deverão finalmente abordar o projeto anunciado por Chirac e apoiado por Lula de criação de uma taxa sobre as tarifas aéreas com o objetivo de combater a miséria no mundo. A cobrança dessa taxa, na França, começa no próximo mês, mas a iniciativa corre o risco de ser acompanhada por um número muito reduzido de países.