Título: Com golpe, ganho 38 vezes maior
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Nacional, p. A16,17

Faturamento de empresas que são pivô da fraude cresceu 3.746% em três anos e chegou a R$ 111 milhões

A quadrilha que manipulava prefeituras e parlamentares para fraudar licitações e vender ambulâncias superfaturadas teve seu faturamento turbinado em 3.746% - ou seja, multiplicado por 38 vezes - nos primeiros três anos de atuação, segundo revelam as investigações da Polícia Federal. Entre 2000 e 2005, as empresas da família Trevisan-Vedoin, de Mato Grosso, movimentaram R$ 111 milhões, sem contar as ramificações coordenadas por outros colaboradores.

Os números foram levantados pela Receita Federal, que nos últimos dois anos vinha monitorando as empresas do esquema. Várias delas eram apenas de fachada, mas ganharam licitações milionárias para fornecer os veículos adaptados para ambulâncias que eram comprados pelas prefeituras, com recursos de convênio do Ministério da Saúde.

Em 2000, quando o esquema ainda não havia começado, o grupo de empresas encabeçado pela Planam Comércio e Representações, principal pivô do escândalo, faturou apenas R$ 721 mil. Em 2001, com o início das fraudes, esse número já pulou para R$ 6 milhões, em 2002, para R$ 23,5 milhões, e em 2003, para R$ 27,8 milhões.

Em 2004, quando a Controladoria-Geral da União (CGU) passou a farejar os passos da quadrilha e a descobrir a teia de empresas de fachada e "laranjas", o negócio parece ter tido uma leve queda, para R$ 24,8 milhões. E, em 2005, com a Receita já no seu encalço, a movimentação financeira das empresas dos Trevisan-Vedoin caiu para R$ 14,7 milhões.

Nesse meio tempo, entretanto, o grupo já tinha articulado outras empresas para intermediar os negócios, de onde se deduz que o total de recursos desviados dos cofres públicos supere os R$ 111 milhões inicialmente detectados. Parte do capital desviado foi aplicada na compra de imóveis em Brasília, segundo a PF.

Até agora, os policiais já descobriram que 25 empresas participaram em conluio das licitações controladas pelo grupo. Algumas ajudaram a simular a concorrência, como é o caso da Torino Comercial e Veículos, de Várzea Grande, que forneceu mais de 300 ambulâncias para o empresário Darci Vedoin, o patriarca da família.

"METIDOS" Em alguns casos, os próprios empresários do esquema montavam os editais de licitação das prefeituras. Em conversa gravada entre Ronildo Medeiros, sócio dos Vedoin no esquema, e sua mulher, Cíntia, os dois comentam detalhes do texto que deveria constar na prorrogação do edital de Itaubal (AP). Isso ocorreu no último dia 3 de janeiro. No dia 6, o Diário Oficial da União publicou o edital da prefeitura que, segundo o relatório da PF, "impressiona por sua semelhança" com a redação de Cíntia.

A ousadia do grupo era tão grande que, mesmo depois de saberem que estavam sendo investigados, não pararam de planejar o desvio de recursos do Orçamento da União. Em uma longa conversa grampeada pela PF em janeiro, por exemplo, Ronildo planejava com seu sobrinho, Rogério Medeiros de Freitas, como estabelecer novos contatos com prefeituras do Rio. E comenta que o começo do ano é hora de fazer licitação e de "a porca torcer o rabo". "O Rio é facinho demais para fazer, mas tem que ficar em cima, pois os caras são metidos a bons", disse.