Título: EUA se dispõem a negociar com Irã
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2006, Internacional, p. A12

Pela primeira vez desde a Revolução Islâmica, em 1979, os EUA se declaram dispostos a manter publicamente negociações diretas - multilaterais - com o Irã, país que o presidente George W. Bush incluiu em 2002 no que chamou de "eixo do mal". Na véspera de uma importante reunião de chanceleres das grandes potências para discutir, em Viena, a crise nuclear iraniana, a secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, reuniu ontem a imprensa em Washington para anunciar que os EUA se unirão aos europeus nas negociações com o Irã.

Mas impôs uma condição: primeiro, o governo iraniano tem de suspender as atividades relacionadas ao enriquecimento de urânio, que os americanos e europeus (no caso, França, Alemanha e Grã-Bretanha) dizem ser fachada para um programa de produção de armas atômicas.

"Os EUA estão dispostos a exercer forte liderança para dar a melhor oportunidade ao sucesso da diplomacia", disse Condoleezza, deixando claro, contudo, que Bush mantém "todas as opções sobre mesa". Ou seja, se as negociações não vingarem, o uso da força militar não está descartado. "Nós fazemos um chamado ao Irã para que faça uma opção pela paz e abandone sua ambição de possuir armas nucleares", acrescentou ela. Condoleezza ressalvou que os EUA reconhecem o direito de o Irã manter um programa nuclear para fins civis.

"Acredito que é importante resolvermos isto diplomaticamente", disse Bush, mais tarde. "E minha decisão hoje significa que os EUA vão assumir uma posição de liderança para resolver essa questão."

Nas últimas semanas, o Irã deu indicações de interesse em dialogar com os EUA. O presidente Mahmud Ahmadinejad chegou a enviar a Bush, no início de maio, uma carta em que expunha sua visão de mundo e criticava a política americana, sem contudo apresentar uma proposta concreta. Ontem, a agência estatal iraniana Irna qualificou o anúncio de Condoleezza de "ato de propaganda" e destacou que a suspensão do enriquecimento de urânio não atende aos interesses do Irã.

Em várias ocasiões as autoridades iranianas enfatizaram que não aceitam iniciar um diálogo com precondições.

O Irã insiste que seu objetivo é o uso pacífico da energia nuclear. E sustenta que os tratados internacionais lhe dão o direito de enriquecer urânio para uso em usinas de energia elétrica. Mas os EUA alegam que o país perdeu esse direito porque descumpriu acordos internacionais, ao manter por 18 anos instalações nucleares secretas, que deveriam estar sob inspeção internacional. Essa violação foi comprovada em 2003.

Apesar de os europeus terem sugerido, nas últimas semanas, aos EUA que dialogassem diretamente com o Irã, o anúncio de Condoleezza foi uma surpresa, segundo The New York Times.

A iniciativa surge em meio a um impasse nas conversações entre os países membros do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, França, Grã-Bretanha e China), mais a Alemanha, sobre um pacote de benefícios econômicos a ser oferecido ao Irã para que desista de enriquecer urânio. A idéia é ameaçar o Irã com sanções, caso não aceite esses incentivos.

Os cinco países envolvidos nessa negociação elogiaram a proposta dos EUA, mas o chanceler chinês, Wang Guangya, ressalvou: "Espero que essas conversas diretas não tenham precondições." A China quer que no pacote de benefícios sejam incluídas garantias de que o Irã não será atacado, e não aceita ameaças de ações punitivas. Como China e Rússia têm poder de veto no Conselho, a estratégia posterior dos EUA seria pressionar seus aliados europeus e o Japão a impor sanções ao Irã se o diálogo falhar.

Em Brasília, o Itamaraty qualificou de importantes os gestos em direção do diálogo e exortou o Irã a "igualmente mostrar cooperação com a comunidade internacional".