Título: 'Negociaremos mudanças de contratos'
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2006, Internacional, p. A16

Alan García - que, segundo as pesquisas de opinião, é o favorito para ganhar as eleições presidenciais no Peru - disse que seu governo não expropriará empresas estrangeiras. Negociará com elas e com outras que não estão em seu país para que processem cobre, ouro, peixes e outros alimentos. "Em suma, para que invistam mais, para impulsionar nosso desenvolvimento sem levar as matérias-primas e processá-las em outro país." Isso não o impede de se definir como um antiimperialista, que prioriza o desenvolvimento do Sul e condena o presidente americano, George W. Bush. Mas não deixa de estabelecer distância em relação ao venezuelano Hugo Chávez. Aposta no fortalecimento da Comunidade Andina de Nações e no impulso à União Sul-Americana,"com o intuito de transformar o Peru em líder da América Latina". E quanto a seu governo, afirma que será formado por pessoas de forças políticas diferentes. Adianta que no ministério os membros de seu grupo político, o Partido Aprista, não serão maioria.

Na União Sul-Americana, que o sr. afirma que impulsionará com mais força, há lugar para a Venezuela? De imediato, não devemos deixar nenhum país de fora - embora seja terrível o fato de não haver naquela nação liberdade de expressão, investimentos ou associação. Lá, o Estado arrecada 80% da receita e a administra mal, com uma ditadura que sofre da enfermidade militarista. Chávez tem um discurso ambíguo. É uma escopeta de cano duplo: de um lado critica os tratados de livre comércio entre Colômbia e Peru e de outro tem um verdadeiro tratado de livre comércio petroleiro com os EUA.

O sr. acredita que o tratado de livre comércio de seu país com os Estados Unidos será positivo? Sim, temos de ampliar nossa presença nesse mercado com exportações de produtos e não exportando pessoas, como acontece agora.

Como o sr. avalia a relação entre Chávez e Evo Morales e com seu rival nas eleições, Ollanta Humala? Chávez é uma grande ameaça para a unidade sul-americana - financiado pelo aumento do preço do petróleo. Ele levou o presidente da Bolívia a cometer graves erros, que espero que sejam corrigidos. E Humala faz o papel de chefe de propaganda de Chávez que lhe dá dinheiro. É uma intromissão na nossa política interna que rejeito categoricamente.

E os outros governos latino-americanos, Lula, Bachelet? Lula está impulsionando uma mudança responsável, muito positiva. E no Chile vive-se um exemplo de governo democrático e coerente, com a coalizão que reúne socialistas e democratas cristãos. Lá está comprovado que é possível constituir governos sólidos com membros de diversos partidos.

Quanto às empresas estrangeiras, se o sr. não propõe expropriações, o que negociará? Com as empresas que estão no Peru negociaremos mudanças nos contratos. Por exemplo, há uma mineradora que assinou o convênio com nosso país quando a onça de ouro (cerca de 28 gramas) estava cotada a US$ 240, agora ela vale US$ 700. Por isso, tem de ficar mais para o país. Tenho certeza de que, se na Grã-Bretanha acontecesse isso, Tony Blair não vacilaria em impor uma elevação do imposto, coisa que aqui não foi feito.

Mas o contrato está assinado. O sr. o anularia unilateralmente? De jeito nenhum. Em primeiro lugar, nosso código civil diz que um contrato não pode ser válido se for prejudicial. Em segundo lugar, reitero que o que faremos é negociar, com o argumento de que os que ganham muito deixem algo para o povo. Veja o exemplo dos Estados Unidos, que aprovaram uma lei para cobrar impostos dos ricos. Se eles fazem isso por que não podemos fazer?

Sua posição sobre política econômica parece ter mudado. Crê ter cometido erros em seu primeiro governo que pretende corrigir? Primeiro, deixe-me dizer que ninguém está livre de cometer erros. Os que cometi certamente tentarei corrigi-los. Mas isso nada tem a ver com as mudanças na política econômica. Ela se modifica porque o mundo mudou. Como exemplo, diria que não se deve aplicar a mesma política econômica em tempo de guerra e em tempos de paz. O cenário mundial mudou desde o fim da guerra fria até o advento da sociedade de informação que produziu cenário totalmente renovado, no qual o investimento privado é maior que o estatal. Estamos vivendo uma época de normalidade e democracia e é dentro desse quadro que devemos definir a política econômica.

No plano interno, quais seriam seus principais objetivos? O primeiro é o emprego, com ações estatais coordenadas com a iniciativa privada. Temos de reduzir a taxa de desemprego, formalizar o subemprego, apoiar as pequenas e médias empresas e dar um forte impulso ao setor de turismo. O segundo seria encarar o fornecimento de água, que atualmente é muito deficiente. Há 8 milhões de peruanos sem água encanada em casa e 1,2 milhão desses estão em Lima. O terceiro é melhorar o sistema de saúde para garantir acesso de todos à assistência médica.

O sr. se definiu como antiimperialista. Continua se considerando assim? Sim, quando presidente do Peru, condenei a invasão da Nicarágua e do Panamá pelos EUA Unidos porque creio que nenhum país deve invadir outro.

O sr. apoiará uma reforma das Nações Unidas? Nesse aspecto, mantenho a política que manifestei em 1986, quando me pronunciei a favor da reforma e também da anulação do direito a veto que cinco países têm nesse organismo internacional (no Conselho de Segurança). É preciso democratizar a ONU.

Isso não afrontaria o governo do presidente Bush? Não deve afetá-lo porque se trata de que todos os países avancem pela caminho da democratização das Nações Unidas.