Título: Lula deu uma volta e meia ao redor da Terra em campanha não declarada
Autor: Tânia Monteiro, Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Nacional, p. A4

Neste ano, presidente já voou 39 mil milhas, que custaram ao contribuinte mais de R$ 3 milhões só de combustível

Em sua campanha não declarada pela reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem viajado como nunca. Desde a virada do ano, ele já percorreu, apenas em deslocamentos dentro do País, 39.386 milhas (63.383,8 km), o que corresponde a pouco mais de uma volta e meia ao redor do mundo. Foram 37.554 milhas (60.435,6 km)a bordo do Aerolula e mais 1.832 milhas (2.948,2 km)no helicóptero Super Puma que serve à Presidência.

O custo, só em combustível, é estimado em R$ 3,15 milhões. Mais de 60 equipes de 30 pessoas cada tiveram de ser formadas para dar suporte às viagens de Lula pelo País, nesses quatro meses e meio. Isso custou em diárias pelo menos R$ 850 mil, totalizando um gasto de R$ 4 milhões.

Esse valor representa mais do que o dobro do gasto com transporte aéreo em aviões de carreira declarado pelo candidato Lula na campanha de 2002. De acordo com os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a campanha de Lula gastou R$ 1,24 milhão com a TAM naquela campanha.

Os roteiros seguem um ritual. Desde o início do ano, Lula tem optado por visitar, no mesmo dia, duas ou três cidades na mesma região. Raramente dorme nos municípios a que vai.

O processo começa com a escolha do local a ser visitado. Normalmente três ou quatro dias antes, um escalão avançado - cujo apelido é "escav" - segue para a cidade. São no mínimo 30 pessoas, em média 35, mas o staff pode chegar a 40, por cidade. Número bem maior do que habitualmente era usado pelos governos anteriores.

HOSPEDAGEM Primeiro, a equipe presidencial se hospeda na cidade onde vai ocorrer a cerimônia ou na mais próxima dela, que ofereça infra-estrutura mínima para preparar os eventos. Os funcionários do Planalto seguem de Brasília em geral no Boeing 737 conhecido como Sucatinha, que retorna à capital depois do desembarque do grupo.

Além de pelo menos 20 seguranças, compõem o "escav" representantes do cerimonial do Palácio do Planalto, um médico, o pessoal de comunicações, de transporte, da área administrativa, da assessoria de imprensa e da Secretaria-Geral do Planalto. No dia da viagem do presidente, um número semelhante de pessoas o acompanha ao local acertado.

Parte da equipe vai no avião presidencial, o Aerolula, e outra parte segue no Sucatinha. A presença de funcionários da Secretaria-Geral é uma novidade deste governo. Oficialmente, a função deles é fazer contatos com entidades representativas locais para ouvir as demandas que merecem ser levadas ao presidente. O objetivo real, porém, é verificar se poderá haver manifestações contra o presidente e tentar contornar a situação, conversando com esses grupos ou até organizando uma pequena comissão para ter um encontro com Lula. Normalmente, a estratégia dá certo.

MILITANTES Há mais dificuldade quando as manifestações contrárias são organizadas por militantes de grupos políticos rivais, como aconteceu em Porto Alegre, em 19 de abril, na cerimônia de inauguração da nova ala de emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Sempre que vai à capital gaúcha, Lula enfrenta protestos, às vezes comandados pela filha do ministro das Relações Institucionais, deputada Luciana Genro (PSOL-RS), dissidente do PT.Naquela ocasião, Lula não evitou o tom de campanha e fez um dos mais fortes discursos das últimas viagens, atacando a oposição, os manifestantes e defendendo suas viagens e as ações de seu governo.

Apesar de se comportar e discursar como candidato, o presidente não assume oficialmente que concorrerá à reeleição. A partir do momento que fizer isso, não poderá mais comandar inaugurações. E Lula tem se dedicado a elas sem nenhum constrangimento.

Em 28 de abril, esteve até mesmo na inauguração do centro de distribuição das Casas Bahia em São Caetano do Sul. Lá, fez um pronunciamento em defesa dos pobres, comparando a cadeia varejista, famosa pelo crediário, com seu governo, em que foi lançado o crédito consignado. Ao citar o dono das Casas Bahia, Samuel Klein, Lula disse que ele "acreditou no povo pobre do País, criou crédito para o povo pobre, sem olhar se a pessoa estava de terno e gravata ou de chinelo para fazer uma compra, que não olhava a cor da roupa nem a origem das pessoas".

A programação do presidente-candidato tem sido variada. Dez dias antes de inaugurar o centro de distribuição das Casas Bahia, o corintiano Lula compareceu à cerimônia de encerramento do Campeonato Paulista de 2006, vencido pelo Santos. No início deste mês, inaugurou em Minas a linha turística de trem ligando Mariana a Ouro Preto. Fez o percurso sentado na janela da locomotiva, acenando para a população à margem da ferrovia. Cumprida a agenda oficial, ao invés de um fim de semana de descanso na fazenda do ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, como estava previsto, Lula acabou se empenhando na caça ao voto. Ao ser informado pelo ministro que curiosos se concentravam na porteira da fazenda, Lula abandonou o retiro e foi cumprimentá-los, tirar fotos e dar autógrafos ao fãs.

A maior parte das viagens é voltada às pessoas mais carentes. Em 21 de março, por exemplo, Lula entregou residências no Projeto Habitar Brasil, na cidade baiana de Lauro de Freitas. Lá, tocou atabaques e cumprimentou mães-de-santo. Menos de 15 dias depois, foi visitar a fábrica da Ford em Camaçari (BA), a mesma empresa automobilística "expulsa" do Rio Grande do Sul pelos petistas.