Título: Prêmio aos sonegadores
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de vetar a concessão de mais um presente aos maus contribuintes, aprovada na terça-feira pelo Senado. Esse presente é a reabertura, por 120 dias, do prazo para adesão ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis), um esquema de parcelamento de dívidas tributárias. Se não vetar esse dispositivo, o presidente dará mais um incentivo aos sonegadores e deixará em desvantagem, mais uma vez, os empresários cumpridores das obrigações fiscais.

Esse novo favor aos sonegadores foi enxertado no texto da Medida Provisória (MP) 280, destinada originalmente a reajustar a Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física. O enxerto foi feito na Câmara, onde a MP foi aprovada em abril.

A emenda, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), concede 120 dias, a contar da promulgação da lei, para os devedores do Tesouro e do INSS negociarem o refinanciamento de seus débitos.

Deputados haviam defendido, há meses, a inclusão de um dispositivo semelhante no projeto da Super-Receita. Como houve resistência da base governista, os defensores da emenda renunciaram a pô-la em votação como destaque. Se fosse rejeitada, não se poderia reapresentá-la neste ano.

Em poucos meses, a idéia ganhou apoio da maioria dos parlamentares. Eles ficaram mais sensíveis às pressões de entidades empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), empenhadas em obter mais um reescalonamento das dívidas fiscais. Talvez a aproximação das eleições tenha afetado a sensibilidade dos deputados e senadores. Parlamentares da base governista mudaram de lado e desistiram de proteger os interesses do Fisco.

O vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-PR), já anunciou: se o presidente vetar a reabertura do Refis, parlamentares governistas lutarão para incluir o dispositivo no projeto da Super-Receita.

Desde o ano passado entidades empresariais vêm defendendo o lançamento de um Refis 3. Até recentemente, não haviam conseguido vencer a barreira formada pelo Fisco e pela base parlamentar. A proposta é evidentemente ruim e, ao defendê-la, os líderes empresariais contrariam os interesses de uma parte de seus representados - aqueles que pagam regularmente os impostos e contribuições.

Anistias fiscais e reescalonamentos generosos, como os Refis 1 e 2, são o pior tipo de mensagem que o governo pode mandar ao empresariado. Mostram que vale a pena sonegar e lesar os cofres públicos, e que os bons contribuintes são tolos, porque assumem custos maiores que os de seus concorrentes e aceitam ficar em desvantagem na competição.

A experiência do governo com esses programas tem sido ruim e nada permite supor que um terceiro Refis possa proporcionar resultados melhores.

No primeiro Refis, lançado no ano 2000, dois terços das 130 mil empresas cadastradas deixaram de cumprir a nova escala de pagamentos. Em pouco tempo foram excluídas do benefício. O segundo Refis, lançado em 2003, permitiu o arquivamento de processos penais contra sonegadores inscritos no programa. O governo, além de recobrar só uma pequena parte de seus créditos, ainda perdeu a possibilidade legal de levar até o fim os processos iniciados. Os sonegadores e maus pagadores lucraram em todos os aspectos.

Como as parcelas eram definidas de acordo com o faturamento das empresas, muitas empresas inscritas simplesmente recorreram a artifícios e a fraudes para reduzir os pagamentos.

Alguns proprietários abriram novas empresas, para dividir o faturamento da firma devedora. Outros passaram a trabalhar sem nota fiscal, também para reduzir sua receita e diminuir as prestações.

Os dois primeiros Refis serviram principalmente, portanto, para dar novas armas e maior fôlego aos maus contribuintes, sem proporcionar vantagem significativa ao Fisco.

Dois erros indiscutíveis devem ser mais do que suficientes para as autoridades se convencerem de que não vale a pena arriscar-se mais uma vez. O presidente Lula não precisará de muita reflexão para concluir que precisa vetar a reabertura do Refis, enxertada na MP 280, no projeto da Super-Receita ou em qualquer outro texto legal.