Título: O Estatuto da OAB
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Com atraso de quase 12 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ação direta de inconstitucionalidade que questiona o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O recurso foi proposto em 1994 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Segundo os juízes, a pretexto de exercer suas prerrogativas profissionais, muitos advogados exorbitavam, desacatando impunemente promotores, magistrados e autoridades públicas.

Ao considerar inconstitucionais dez expressões constantes de cinco artigos do Estatuto da OAB, o STF derrubou algumas prerrogativas, promovendo uma espécie de minirreforma nas normas que disciplinam as atividades profissionais dos integrantes da corporação. Pela redação original do parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto da OAB, o advogado "tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação, ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo e fora dele (...)". A corte suprimiu a expressão "desacato", o que permitirá à autoridade pública que for desacatada por um advogado processá-lo judicialmente.

Em sua decisão, o STF reafirmou o direito dos advogados a prisão especial, "em sala com instalações e comodidades condignas", como determina o inciso V do artigo 7º do Estatuto, mas decidiu que não cabe à OAB reconhecer se as salas atendem ou não a essa exigência. A corte também retirou da corporação o controle das salas dos advogados nas repartições públicas. Segundo o Estatuto, "o Judiciário e o Executivo devem instalar, em todos os juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios, salas especiais permanentes para advogados, com uso e controle assegurados à OAB". A expressão grifada foi considerada inconstitucional pelo Supremo.

O STF ainda alterou outra importante regra do artigo 7º do Estatuto. Ao garantir a inviolabilidade dos arquivos, dos documentos, das correspondências e das comunicações telefônicas e ao disciplinar as operações policiais de busca e apreensão em escritórios de advocacia autorizadas por um juiz, o inciso II do dispositivo determina expressamente a presença de um representante previamente indicado pela OAB. No ano passado, vários escritórios de grande porte foram objeto de autuação policial, devidamente autorizadas pelo Judiciário, sem que a entidade sequer tivesse sido comunicada das operações. Na época, a OAB acusou a Polícia Federal de exorbitar e afirmou que as investigações violavam o direito ao sigilo profissional e as liberdades públicas.

Ao julgar o recurso interposto pela AMB, os ministros do STF afirmaram que a exigência da presença de um representante da OAB nas operações de busca e apreensão muitas vezes resulta no vazamento de informações confidenciais para os investigados, comprometendo desse modo toda a investigação policial. Para evitar esse risco, o Supremo manteve o teor do inciso II do artigo 7º, mas reformou o texto. A nova redação do dispositivo, que tem por objetivo preservar o sigilo e assegurar a eficácia das diligências, dispensa os órgãos policiais de especificar o alvo da operação nas comunicações à entidade. E exige que os representantes por ela nomeados se comprometam a preservar o caráter confidencial das investigações.

A decisão do STF, que consumiu toda a sessão plenária da última quarta-feira, foi recebida com serenidade pela direção da OAB. As reações mais negativas partiram de pequenos escritórios. Preocupados menos com razões institucionais e mais com o mercado de trabalho, eles viram na minirreforma do estatuto da OAB imposta pelo STF uma abertura para a exclusão dos advogados de muitos dos atos e decisões que exigem sua interferência. Já os advogados autônomos, especialmente os que atuam na Justiça criminal, temem que seus protestos passem a ser interpretados como desacato pelos juízes, o que dificultará a defesa dos clientes.

Esses temores, contudo, são infundados. O STF apenas se limitou a suprimir excessos e ambigüidades do Estatuto da OAB que geravam tensões desnecessárias nas relações entre os diversos operadores do direito, dificultando as lides forenses.