Título: Brasil afasta até investidor interno
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2006, Economia & Negócios, p. B7

Já se sabia do que estava acontecendo, agora temos os números oficiais do Banco Central. Os investimentos de empresas brasileiras no exterior chegam a US$ 71,6 bilhões, entre 2001 e setembro de 2005. Um aumento de 44% no período. E continuam aumentando neste ano.

Os investimentos externos continuam não vindo e os internos saindo. É a lógica perversa do nosso atraso numa economia mundial que cresce e se globaliza cada vez mais.

É grave? O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirma que, "do ponto de visa macroeconômico, o Brasil está preparado para isso". Ou seja, não vamos quebrar. Mas, para a maioria dos economistas e acadêmicos, não é uma questão de "macroeconomia", mas de um fato que vem se agravando ano a ano que preocupa, pois essas empresas vão criar produção e empregos lá fora e não aqui. O que se deve fazer é analisar as causas e adotar medidas para corrigir seus efeitos.

A professora Maria Helena Zockun, coordenadora de pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), tem uma posição crítica construtiva.

"A situação brasileira é muito preocupante. Há tempos os investimentos externos de empresas brasileiras já vinham ocorrendo, mas estão aumentando agora. Podemos resumir dizendo que a razão disso é que, enquanto outros países aproveitaram o crescimento da economia mundial e a globalização, criando condições favoráveis aos negócios nas áreas tributárias, fiscais, trabalhistas, enfim, de toda ordem, no Brasil praticamente nada ou muito pouco se fez nesse sentido. Isso explica por que as empresas que aqui estão, que levam em conta as condições para os negócios em todo o mundo, busquem aqueles países onde essas condições são mais favoráveis", afirma ela à coluna.

O nosso baixo crescimento econômico deriva da insuficiência de investimentos que decorre das desfavoráveis condições internas: juros e carga tributária elevados, complexa legislação trabalhista que encarece o custo do trabalho, extrema lentidão burocrática, infra-estrutura que não melhora nunca.

Tudo isso não é novidade, aqui. A novidade é lá fora. Eles mudaram, nós paramos, se não até regredimos.

A conseqüência natural e inevitável é que as grandes empresas brasileiras buscam as oportunidades que não existem - e parece que tardarão a existir - no País. Como as perspectivas não mudam, nossas empresas vão investir lá fora. É isso.

POR QUE AUMENTOU?

Maria Helena Zockun explica que o aumento desses investimentos externos nos últimos dois, três anos se deve a dois fatos:

1 - O mercado externo melhorou e foi aproveitado por outros países.

2 - As grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil têm obtido internamente lucros maiores.

E por que não investem mais aqui do que lá?

"Porque esses lucros decorreram não do clima interno, que não mudou e até piorou, mas da considerável alta dos preços das commodities minerais e agrícolas no mercado externo. Não só aumento de preços, mas expansão do mercado, decorrente do aumento da demanda de países como a China entre outros. Não há espaço para crescer aqui, por isso investem onde há."

Maria Helena repete alguns números impressionantes que deu em entrevista recente à repórter Renée Pereira, do Estado: a carga tributária, incluindo contribuições e taxas, é de 39,9% no Brasil, semelhante à dos países industrializados, mas consideravelmente maior do que os 27,44% nos países em desenvolvimento, que competem conosco na busca de capitais externos.

Aqui, para abrir uma empresa levam-se 190 dias e, mais ainda, dois anos, sim dois anos, para a obtenção de uma licença ambiental, por exemplo. A conseqüência da soma de todos esses fatores, mais juros e câmbio, faz com que o Brasil seja hoje considerado "pouco atraente para o financiamento e o crescimento dos negócios quando comparado ao conjunto dos países pobres e emergentes",declarou ela a Renée. E repetiu à coluna.

É GRAVE?

Para Maria Helena Zockun é, mas poderia ser pior.

Como? "As empresas nacionais ou estrangeiras aqui sediadas estão investindo lá fora, mas permanecem no País; não o reduziram que vinham fazendo no Brasil, nem pretendem sair."

Quando muito, algumas estrangeiras ou nacionais passam a substituir exportações de produtos manufaturados no Brasil por outros feitos em outros países, como ocorreu atualmente em alguns casos. Em vez de exportar o nosso, exportam o seu produzido, por exemplo, na Argentina.

Mas isso não desanuvia o cenário que estamos vendo.

Enquanto a carga tributária for muito elevada, houver excesso de regulamentação trabalhista, excesso de instabilidade regulatória, grau elevado de corrupção, concorrência desleal pela informalidade, morosidade da burocracia dos órgãos públicos na concessão das mais variadas e inúmeras licenças de funcionamento da atividade econômica - e cito apenas alguns obstáculos, as empresas, sejam elas estrangeiras ou nacionais, não irão aumentar investimentos aqui.

Como não se vê qualquer sinal de mudança - veja-se a eterna discussão da reforma tributaria -, as que estão aqui irão investir no exterior, onde nada disso existe, e as que estão lá fora pensam 50 vezes antes de investirem aqui. É isso.

É uma realidade triste, mas é esta a realidade que estamos vivendo. Está aí, simplesmente aí, a causa básica do baixíssimo crescimento econômico do País. Não cria clima, afasta investimentos, não cresce.

Tudo está dito aí, na análise da respeitadíssima Maria Helena Zockun. Só resta esperar o que há décadas esperamos, ou, como dizia Raul de Leoni - sim é poesia na economia! -, permanecer numa "eterna esperança que se adia". Mas não faz mal. Agora temos a Copa levantando as esperanças e o orgulho nacionais...