Título: Fazenda fica fora da decisão
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2006, Economia & Negócios, p. B9

A redução de 0,5 ponto porcentual da taxa básica de juros da economia foi uma decisão de inteira responsabilidade do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, e dos diretores do BC que integram o Comitê de Política Monetária (Copom). Desta vez não houve consulta ou discussão prévia com o Ministério da Fazenda, como acontecia quando Antonio Palocci ocupava aquela pasta.

Durante todo o governo Lula, o Copom sempre teve autonomia para definir a taxa de juros. Mas, até a reunião de março último, Palocci atuava como uma espécie de interlocutor de Meirelles e de alguns diretores do BC, procurando traçar horizontes para a economia e parâmetros para a política monetária, tendo em vista o comportamento da inflação e os objetivos de longo prazos do governo.

Por isso mesmo, Palocci sempre apoiou as decisões do Copom, embora não participasse diretamente delas - conversava antes com quem iria decidir, como lembrou ontem uma fonte do governo. Era também o ex-ministro que fazia a "ponte" entre o presidente do BC e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Palocci era uma espécie de anteparo do BC, um filtro das razões do BC para a queda ou elevação dos juros apresentadas a Lula.

Com a ida de Guido Mantega para o Ministério da Fazenda, lembraram ontem as mesmas fontes, Henrique Meirelles passou a tratar a questão dos juros diretamente com o presidente Lula. O diálogo do BC com a Fazenda sobre juros inexiste atualmente, por causa das divergências de Mantega com Meirelles sobre essa questão. O ministro deseja que a queda dos juros seja mais acentuada, em contraposição ao gradualismo defendido até agora pelo BC.

Desta vez, pelo menos, não havia, no governo, uma posição contrária ao gradualismo do BC. Pela primeira vez desde que os juros começaram a cair, em setembro do ano passado, verificou-se um temor, mesmo em setores tradicionalmente mais identificados com as teses desenvolvimentistas, de que uma queda mais drástica dos juros prejudicaria a economia brasileira, por causa da instabilidade do cenário financeiro internacional, principalmente da economia americana.

Pesou também o forte crescimento da economia no primeiro trimestre deste ano. Segundo o IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,4% nos primeiros três meses em comparação ao último trimestre de 2005. A avaliação que predominou ontem no governo, antes da decisão do Copom, foi a de que o melhor seria que a taxa continuasse caindo, qualquer que fosse a redução. O importante era, no entendimento dos governistas, que o sinal de queda dos juros fosse mantido.

O senador Aloizio Mercadante (SP), ex-líder do governo no Senado e candidato do PT ao governo de São Paulo, disse ontem que o Banco Central mostrou que está seguindo a mesma estratégia de redução dos juros definida anteriormente. "Não houve razão para qualquer mudança", disse. Mercadante, identificado como um dos principais integrantes do grupo desenvolvimentista do governo, acha que a turbulência externa não é razão para que a política do BC seja alterada. "Houve um tempo em que a economia americana espirrava e a economia brasileira contraía pneumonia. Hoje, o espirro é apenas um espirro", disse.

Para ele, o confortável nível de reservas internacionais e o desempenho favorável das exportações permitem que o Brasil atravesse a turbulência sem sofrer abalos na política econômica. Para Mercadante, o resultado divulgado ontem pelo IBGE sobre o nível de atividade no primeiro trimestre mostra que o crescimento econômico de 4% este ano "já está contratado". Ele acredita que se a taxa de câmbio se mantiver nos níveis atuais, em torno de R$ 2,3 por dólar, o ritmo econômico poderá ser ainda mais fortalecido.