Título: TV digital provoca deslize diplomático
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2006, Economia & Negócios, p. B17

O Itamaraty terá, nos próximos meses, uma dura tarefa a realizar: consertar a série de deslizes diplomáticos que culminaram, ontem, com a ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao almoço oficial que ofereceria em homenagem ao presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso. Na primeira visita ao Brasil de uma autoridade máxima da União Européia, o português Durão Barroso viu sua agenda em Brasília ser alterada na última hora e teve como anfitrião para o almoço o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Pior desfeita, entretanto, se deu com o vazamento da decisão do governo de enviar uma carta a Tóquio com a confirmação da escolha do padrão japonês de TV digital nesta semana - apenas alguns dias depois da visita de Estado do presidente da França, Jacques Chirac, um dos maiores interessados na escolha do padrão europeu pelo Brasil, e a poucos dias da chegada de Durão Barroso, cuja visita teria também o objetivo de reforçar esse lobby.

Ao final de um encontro de pouco mais de uma hora de duração, nem Lula nem Durão Barroso fizeram qualquer menção ao processo de escolha do padrão de TV digital. Acentuaram as diversas áreas de cooperação entre Brasil e União Européia, principalmente nas áreas de energia e em ciência e tecnologia, mas esquivaram-se de tocar nesse negócio de US$ 100 bilhões. Em seu discurso escrito, o presidente brasileiro deixou clara a relevância do parceiro tratado com tão pouco caso pelo seu governo.

"A União Européia é um dos mais importantes parceiros comerciais do Brasil", afirmou, para mencionar em seguida que o bloco absorveu 22% das exportações brasileiras em 2005. "Contamos com um estoque de investimentos europeus no País da ordem de US$ 150 bilhões. O Brasil reúne hoje todas as condições para atrair uma nova leva de investimentos produtivos", completou.

Para diplomatas europeus, os deslizes de ontem demonstraram ausência de habilidade de Brasília. A crítica foi compartilhada até mesmo no Itamaraty, ministério que pouca interferência tem na escolha do padrão de TV digital e que se viu à mercê das mudanças do Palácio do Planalto na forma de recepcionar Durão Barroso.

Até a noite de anteontem, Durão Barroso seria recebido em audiência por Lula no Itamaraty. Em seguida, haveria as declarações de ambos à imprensa e o almoço oficial. Na manhã de ontem, a imprensa foi informada de mudanças na agenda - o encontro se daria no Palácio do Planalto, e Lula não iria ao almoço por problemas em sua "agenda privada".