Título: Carga subirá 4% do PIB até 2014
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

Estimativa é do economista Raul Velloso, e leva em conta ritmo de aumento da despesa pública nos últimos anos

Se o ritmo de aumento da despesa pública dos últimos anos for mantido, a carga tributária deverá crescer em R$ 80 bilhões, ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB), até 2014, para que a atual política fiscal de altos superávits primários seja mantida. Entre 1995 e 2005, o crescimento real dos gastos da União foi de 72,1%. A estimativa sobre o aumento dos tributos é do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, e será apresentada hoje no Fórum Nacional, no Rio. Como não acredita que isso seja possível, Velloso considera que a política fiscal brasileira chegou a um impasse, e há sérias chances de entrar numa fase de deterioração.

Em sua apresentação, Velloso mostrará que o o esforço fiscal realizado especificamente pelo governo federal vem caindo em um ritmo muito veloz, e isso ocorreu antes mesmo de entrar em vigor o último aumento de salário mínimo, para R$ 350. Em poucos meses, o superávit primário (exclui juros) da União acumulado em 12 meses caiu de 3% do PIB para 2,5%, devendo fechar 2006 em 2,3%. O economista observa que, para que o superávit primário do setor público consolidado mantenha-se em 4,25% do PIB nos próximos anos - como se comprometeu o governo - é preciso estancar a queda do resultado primário da União. Em outras palavras, é preciso que o superávit do governo federal pare de cair e permaneça em 2,3% nos próximos anos.

O problema, explica Velloso, é que será praticamente impossível manter aquele nível de superávit primário da União sem um substancial aumento da carga tributária. Mesmo que o ritmo do crescimento das despesas da União entre 1995 e 2006 caia pela metade, será preciso um aumento real de carga tributária de R$ 40 bilhões, ou 2% do PIB, para que o superávit primário do governo federal permaneça em 2,3% do PIB.

Pelos cálculos do economista, se a carga tributária não crescer, e o ritmo médio de aumento real da despesa pública dos últimos dez anos for mantido, o resultado primário do governo federal vai cair de um superávit de 2,3% do PIB para um déficit de 2,6% até 2014. Se o ritmo de aumento da gastança cair pela metade, o superávit da União cairá de 2,3% para 0,4% no mesmo período.

Velloso trabalha com o cenário de que Lula será reeleito, e acha extremamente difícil o cumprimento da promessa da equipe econômica de que o superávit primário do setor público seja mantido em 4,25% do PIB até 2009. "Não dá para imaginar o Lula cortando gasto, não combina com este governo, que só aumenta as despesas."

Mas, mesmo que o governo quisesse reduzir os gastos, a tarefa seria dificílima, segundo Velloso. A proporção dos gastos obrigatórios nas despesas não financeiras da União subiu de 47% em 1987 para 89% em 2005. Os gastos correntes discricionários são de apenas 8,1% das despesas, e os investimentos, de 2,9%.

Na sua apresentação, Velloso aborda a compressão dos investimentos da União, mostrando que os investimentos em transporte, por exemplo, caíram de um pico de 1,8% do PIB em 1977 para a faixa entre 0,2% e 0,4%, que vem sendo mantida desde o início da década de 90. A parcela de estradas federais cujo estado é avaliado como péssimo ou ruim subiu de 41,8% em 2003 para 45,6% em 2005.

Velloso mostra que o grande componente da despesa obrigatória da União são os gastos com pessoal e com os benefícios do INSS, que corresponderam a respectivamente 26,2% e 40,9% do total de despesas não financeiras de 2005. No caso da despesa de pessoal da União, a participação dos inativos e pensionistas saltou de uma faixa pouco acima de 25%, no período entre 1987 a 1992, para o intervalo de 40% a 48% de 1993 em diante. Em 2005, ficou em 46,3%.

Outro fator importante da aumento das despesas de pessoal da União são o que Velloso chama de "os poderes autônomos", isto é, o Legislativo, Judiciário e Ministério Público. A parcela do gasto total de pessoal da União de responsabilidade daqueles poderes saiu de 11,9% em 1995 para 20,1% em 2005. Mas o principal fator de aumento da despesa obrigatória da União, para Velloso, é a previdência do setor privado (INSS) - ver matéria abaixo.

Na apresentação que preparou para o Fórum,Velloso faz uma autocrítica sobre o tom excessivamente cauteloso das suas críticas à política fiscal nos últimos anos. O economista afirma que empregou várias vezes a fórmula "ajuste com impacto negativo sobre o crescimento de longo prazo". Agora, pretende "escancarar" sua discordância, e prefere concordar com o economista Roberto Macedo, que classifica como "desajuste" a política fiscal de forte aumento dos gastos e da carga tributária.