Título: Os muros não isolam o problema
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2006, Internacional, p. A10

Os muros estão de novo na imprensa, e de novo são controversos - muros na fronteira entre os Estados Unidos e o México, muros para cercar assentamentos israelenses na Cisjordânia. Esses são muros cuja construção é defendida por pessoas investidas de autoridade. Mas há cerca de vinte anos apenas, Ronald Reagan parou no Portão de Brandemburgo, em Berlim, e disse a frase famosa: "Sr. Gorbachev, derrube este muro!"

Por que construímos muros? Basicamente por duas razões - manter pessoas fora ou mantê-las dentro. Muros são geralmente construídos no perímetro de alguma jurisdição - de uma autoridade governamental, de uma propriedade privada. Há duas perguntas que precisamos fazer sobre muros: serão morais? Serão eficazes? É ampla e profunda a discordância sobre as respostas para elas. Comecemos pelos muros projetados para manter pessoas fora. Por que queremos manter pessoas fora? A resposta simples é que temos algo que achamos que outras pessoas desejam e que não queremos compartilhar. Como as fronteiras são meras linhas no chão, elas são inerentemente porosas. Uma solução é construir um muro que dificulte o cruzamento dessa linha, protegê-la do que consideramos a invasão/entrada/apropriação ilegítima e ilegal do que consideramos nosso.

No caso do muro que os EUA vêm construindo ao longo de sua fronteira com o México, as autoridades estão tentando dificultar a entrada de mexicanos e outros latino-americanos sem uma permissão específica (ou visto). E estes estão tentando entrar, na maioria dos casos, para procurar trabalho ou, talvez, se reunirem com suas famílias. A justificativa para o muro é que, não fosse o sistema de vistos, a imigração para o país rico seria torrencial e colocaria em risco o padrão de vida do país para o qual as pessoas imigram.

Um sistema de vistos limita o número (além, é claro, de selecionar os tipos de pessoas que podem entrar), e os muros estão aí para impedir os estrangeiros de passarem sem a peneira dos vistos.

No nível individual, o equivalente é a criação dos chamados condomínios fechados, em que donos de imóveis criam muros para impedir a entrada de estranhos indesejados e contratam polícias privadas para garantir o cumprimento dessa restrição. Mas hoje em dia, em muitas comunidades urbanas nos países do Hemisfério Sul, pessoas que vivem em casas mais ricas erguem muros individuais para manter fora os intrusos, muros freqüentemente reforçados com arame farpado, cães ferozes, e, às vezes, seguranças privados. Em geral, a justificativa é que a força policial pública é inadequada para o trabalho de proteger pessoas e propriedade privada de ataques.

Olhemos agora para o outro motivo - manter pessoas dentro. Quando a República Democrática Alemã ergueu o Muro de Berlim em 1961, a razão era política. Estava havendo um êxodo contínuo de pessoas para a República Federal da Alemanha via o sistema de metrô de Berlim. Isso era politicamente incômodo para as autoridades da República Democrática Alemã. Por isso, eles construíram um muro que permaneceu em pé até 1989.

Quando Reagan pediu que o muro fosse derrubado, ele estava afirmando o direito das pessoas de emigrarem, saírem do lugar onde estavam, por alguma razão. Esse muro em particular caiu. Quando o fez, as pessoas atrás do muro (figuradamente, todos os que viviam sob regimes comunistas na Europa central e oriental e na União Soviética) descobriram que haviam adquirido o direito de emigrar, mas não o direito de imigrar. Para imigrar, elas ainda precisavam de vistos. E até hoje, não é nada fácil obter esses vistos. Por isso, alguns deles emigram legalmente, mas agora imigram ilegalmente.

No caso dos muros israelenses, a explicação oferecida é que estão sendo construídos para reduzir a capacidade dos palestinos de se engajarem em ações violentas nessas zonas. Mas os muros não estão sendo construídos no limite de uma jurisdição. Estão sendo construídos para criar uma jurisdição, uma maneira de criar fronteiras de fato.

De volta, então, às nossas duas perguntas. Os muros são morais? Os muros são eficazes? A moralidade dos muros construídos para manter pessoas fora remete à moralidade dos direitos de propriedade. Esta moralidade é uma questão de como a propriedade é adquirida. Os donos da propriedade alegam que ela resultou de seu trabalho duro, e outros freqüentemente argumentam que ela foi o resultado de roubo, agressão ou outras apropriações ilegítimas (se não ilegais). Não existe uma resposta genérica para essa pergunta, e, na prática, a resposta em casos particulares é o resultado de negociações e compromissos políticos.

Evidentemente, pode-se pensar que pessoas comprometidas com as virtudes infindáveis do livre mercado deveriam achar que o movimento individual deve ser regido pelo mercado e não por monopólios (restrição de direitos de acesso por um sistema de vistos, por exemplo). Na prática, porém, poucos defensores do livre mercado dizem isso. Eles alegam que bens e capital devem se movimentar livremente, mas não costumam estender este princípio de mercado ao movimento de pessoas.

E pode-se pensar que pessoas comprometidas com igualdades sociais deveriam ser a favor de compartilhá-las com todos. Na prática, contudo, muitos defensores de igualdades sociais, especialmente de países ricos, querem limitar as igualdades sociais aos que já está dentro de um determinado país e não abri-las para o mundo todo. O slogan parece proteger nossos direitos, propriedade e empregos, não os direitos, propriedade, e empregos de todos.

Quanto à eficácia, os muros são eficazes no curto prazo para manter muitas (não todas) pessoas fora, e manter muitas (não todas) pessoas dentro. Mas no médio prazo, os muros são politicamente desgastantes e aumentam a injustiça, e, portanto, tendem a forçar novas negociações. A única coisa certa que podemos dizer sobre os muros é que eles não são claramente amistosos, nem caridosos e nem um sinal de liberdade.