Título: Evo ameaça latifúndio improdutivo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2006, Economia & Negócios, p. B9

Reforma agrária está sendo elaborada, informa vice-ministro de Terras da Bolívia; analistas temem violência

O presidente da Bolívia, Evo Morales, está preparando uma grande reforma agrária com a abolição dos latifúndios improdutivos, informou o vice-ministro de Terras, Alejandro Almaraz, ao jornal boliviano La Prensa. Mas analistas alertam que a medida pode provocar um surto de violência no país.

Almaraz disse que será "uma transformação suficientemente profunda das estruturas socioeconômicas e institucionais" das regiões rurais. "A propriedade rural tem levado ao exercício do poder", disse o vice-ministro. Segundo ele, os latifundiários usam as terras que lhes foram entregues pelo Estado "para conseguir créditos suculentos e revendê-las".

A reforma agrária será anunciada antes da instalação da Assembléia Constituinte, em 6 de agosto.

A medida será a segunda do tipo na história boliviana depois da aprovada em 1953, durante a revolução nacionalista promovida pelo então presidente do país Víctor Paz Estenssoro (1952-1956).

Almaraz disse que o Poder Executivo espera que as medidas a serem adotadas em relação às terras obtenham o mesmo apoio que teve a nacionalização do gás decretada em 1º de maio.

O vice-ministro indicou que a reforma consistirá na abolição dos latifúndios atualmente permitidos nas leis nacionais, que possibilitaram a acumulação de terras em poucas mãos, principalmente nos departamentos do leste do país, como Santa Cruz, Pando e Beni. No planalto da região andina e nos vales centrais da Bolívia onde, ao contrário do leste, há uma divisão da propriedade, será promovida uma redistribuição de terras.

Desde 1996, o Instituto Nacional de Reforma Agrária regularizou os títulos de 17% das terras do país, e investiu cerca de US$ 80 milhões no processo.

Os analistas políticos reagiram com temor ao anúncio da reforma agrária. Eles advertiram que a medida pode desencadear uma onda de violência, como a que houve entre 2000 e 2005, período no qual pelo menos 100 camponeses sem terra morreram durante invasões a fazendas.

O Movimento dos Sem-Terra da Bolívia conta com 250 famílias de camponeses. Eles apoiaram a eleição de Evo e exigem que lhes sejam entregues 500 milhões hectares.

"Pode haver conflitos, é um tema muito delicado, esse tipo de medida já provocou muita violência", disse Marcelo Varnous. O especialista justifica seu temor lembrando que a reforma "vai mexer em interesses muito grandes, num grupo social inimigo há anos dos indígenas e de Evo".

Já para a advogada Gabriela Ichazu, "as medidas podem desencadear uma caça às bruxas" no leste da Bolívia, onde estão os maiores latifúndios.

ESTRATÉGIA Se gundo o ex-ministro da agricultura Diego Montenegro, as mudanças no gás e na reforma agrária são de abrangência mais política do que econômicas. O vago decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos abriu um período de negociação, explicou. Ele acredita que o mesmo ocorrerá com o decreto da reforma agrária.

Para Montenegro, Evo montou uma estratégia para fortalecê-lo até a Assembléia Nacional Constituinte. Campanhas maciças na televisão apresentam a Constituinte como um momento de refundação da Bolívia. A medida parece estar dando resultado efetivo.

Montenegro acredita que após a apresentação dos decretos de nacionalização, os constituintes terão fatos consumados, para os quais se redefinirão novas leis. "São fatos consumados sujeitos só a ajustes. É algo meio confuso. É uma medida política, mas ao mesmo tempo transitória já que determina uma negociação."