Título: A audaciosa tarefa de reconstruir a YPFB
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2006, Economia & Negócios, p. B8

Durante 24 anos, Nelson Cabrera esteve na empresa de energia estatal da Bolívia - quando era uma gigante ineficiente com 5 mil funcionários, quando foi vendida pedaço por pedaço numa privatização divisiva, quando ganhou um novo impulso com a eleição de Evo Morales, o presidente que prometeu restaurar sua antiga glória.

Agora, depois que Evo nacionalizou as reservas de gás e petróleo da Bolívia, Cabrera terá um papel fundamental no que é na sua essência uma empresa de contabilidade dentro de uma empresa energética. Como diretor de operações, Cabrera ajudará a orientar a empresa Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB) na missão que uma vez ela teve - explorar, produzir e vender o gás natural.

"Vamos voltar exatamente ao que éramos antes", disse ele. "Queremos pensar grande, somos ambiciosos e estamos convencidos que os bolivianos têm capacidade para assumir isto."

O desafio, porém, talvez seja impossível, para uma empresa que até o ano passado tinha um orçamento operacional de apenas US$ 89 milhões e uma equipe de 200 funcionários.

Muitos opositores da nacionalização, incluindo ex-funcionários, analistas do setor de energia e políticos, estão dizendo que a medida audaciosa de Evo poderá expor a Bolívia a um grave risco econômico se os investimentos externos sumirem e a empresa não conseguir preencher essa falta.

"É uma má idéia, uma idéia que não vai funcionar", disse Carlos d'Arlach, um senador da oposição que comandou a empresa de 1969 a 1979 e novamente durante seis meses no ano passado. "Com o decorrer dos anos, percebemos que, para manter esse tipo de indústria e progredir, precisamos de capital e tecnologia, e não temos nenhum dos dois."

O que muitos bolivianos têm agora é um misto de nacionalismo eufórico e ressentimento porque a prosperidade prometida pela privatização nunca chegou aos 9 milhões de habitantes do país. Evo navegou nesta onda de sentimento público, que já obrigou dois presidentes a renunciarem.

"Agora é o momento de recuperar nossa soberania e dignidade", disse Jorge Alvarado, o presidente da empresa. "Queremos mostrar que os bolivianos são capazes de comandar nossa indústria de hidrocarbonetos."

Mas o decreto, anunciado enquanto soldados vigiavam as instalações das empresas, incensou autoridades da área de energia e governos do Brasil, Espanha e França, países cujas maiores empresas energéticas investiram mais de US$ 4 bilhões na Bolívia. A Petrobrás, maior investidor na indústria do gás da Bolívia, anunciou a suspensão dos investimentos e a Repsol YFP indicou que pode tentar resolver a questão recorrendo ao arbítrio internacional.

Mesmo assim, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que quer ajudar a Bolívia a reduzir sua pobreza e que "ser carinhoso é melhor do que ser duro". Uma delegação espanhola se reuniu com autoridades bolivianas e anunciou sua disposição de continuar negociando. Essas reações deixaram as autoridades bolivianas otimistas.

A empresa que Alvarado comanda foi fundada em 1936. A YPF B nunca teve uma vida fácil. Levou 17 anos para perfurar seu primeiro poço. E também se transformou num mecanismo de geração de receita para o governo central. Isso fez com que a empresa nunca tivesse capital para o desenvolvimento de que precisava. Ao mesmo tempo, a corrupção tornou-se um flagelo.

Na década de 90, a empresa foi privatizada por etapas. Empresas estrangeiras compraram duas divisões produtoras de gás - a Chaco e a Andina - e uma transportadora de gás, a Transredes. "A YPFB basicamente desapareceu com a capitalização", disse Eduardo Gamarra, boliviano que chefia um programa latino-americano na Florida International University em Miami. "Eles a refundaram agora. Mas é uma empresa estatal escassa de recursos. Precisa ter acesso a algum dinheiro rapidamente".

Talvez os sinais mais encorajadores venham do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que prometeu ajudar. Rafael Ramírez, o ministro da Energia da Venezuela, disse que a empresa petrolífera estatal venezuelana investirá na reestruturação da YPFB, começando com uma fábrica de US$ 40 milhões. Os técnicos venezuelanos estão ajudando, também, a auditar as empresas estrangeiras. "Temos um acordo de cooperação no setor de energia."

As medidas que estão sendo tomadas são animadoras para Cabrera. Já d'Arlach e outros analistas disseram que a empresa não está levando em consideração que a Bolívia já descobriu muito gás e que precisa agora arregimentar compradores. Diferente do petróleo, o gás natural é mais difícil de comercializar e menos valioso. E muitos produtores têm reservas muito maiores que as da Bolívia.

Carlos Arze, especialista em energia, disse que o decreto evidencia a debilidade inerente à YPFB. O decreto exige que o Estado tenha uma participação majoritária nas duas empresas de produção de gás que antes possuía, a Chaco e a Andina, porém elas não produzem tanto quanto Petrobrás e Repsol.

Cabrera é o primeiro a reconhecer que será preciso "muito dinheiro". Mas acrescentou que poderá se recorres a empréstimos, vendas de gás por meio de postos de serviço controlados pela companhia e contratos pelos quais a Bolívia pagaria empresas estrangeiras pela ajuda na produção de gás.