Título: 'Preço é mercado, não favor ou amizade'
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

Líder empresarial boliviano acha remota a chance de aumento forte do gás

O presidente Evo Morales quer unir o país em torno do aumento no preço do gás mas o principal líder dos empresários da Bolívia está convencido de que as chances de se obter um aumento substancial são remotas. "Preço é mercado, não é favor político nem amizade", afirma Roberto Mustafá, presidente da Confederação dos Empresários de Bolívia, entidade que reúne indústrias e bancos, estabelecimentos de comércio e mineradoras.

"Todo empresário sabe que os preços funcionam pela lei da oferta e da procura. Para conseguir que os brasileiros paguem mais pelo nosso gás, a Bolívia precisa encontrar alguém que queira pagar mais por ele, na mesma quantidade. Esse cliente não existe, pelo menos nos dias de hoje", diz Mustafá.

Exportador de manufaturados de couro que freqüenta o Palácio Quemado em aparições que o governo costuma festejar como demonstração de apoio de empresários, Mustafá costuma se reunir com a equipe de governo e se confessa cada vez mais decepcionado com o que ouve e vê. Ele está convencido que Evo Morales montou uma armadilha para si mesmo com o decreto da nacionalização.

Perguntado se acha viável que a Petrobrás e a Repsol concordem com uma elevação de 60%, como o presidente da Bolívia anunciou no fim de semana, Mustafá diz, em tom desanimado: "Acho muito difícil".

Na sexta-feira, o empresário teve uma reunião de três horas no Palácio Quemado. Expôs seus pontos de vista numa conversa com o vice-presidente, Alvaro Garcia, que participou de todo o encontro, e com Evo Morales, que chegou na parte final. Ele disse se mostrou preocupado com a reação da Petrobrás e da Repsol, perguntando várias vezes se havia acordo para pedir um aumento. Como resposta, ouviu que "teria de haver, de uma maneira ou de outra".

Quando questionou o projeto de reservar uma participação de apenas 18% nos maiores campos de gás do país, ouviu que os lucros da Petrobrás eram tão grandes que a empresa poderia ganhar muito dinheiro se tivesse participação de apenas 8% nos resultados. Mustafá se confessou preocupado com um comportamento capaz de provocar "fuga de investimentos".

O empresário diz que o decreto foi um "show midiático, o que não quer dizer que não pode prejudicar o país". Ele receia que possa danificar a imagem do país - e tornar mais difícil a vida de quem pretende investir na Bolívia. "Como empresário, sei que isso pode tornar o dinheiro mais caro para nós. Como boliviano, acho que isso não é bom."

Roberto Mustafá não é um adversário político do governo, como os homens de negócio do Departamento de Santa Cruz, que planejaram uma greve cívica contra Evo Morales. "Eles querem que este governo dê errado. Eu quero que dê certo, porque seria bom para o país."

Ao final da última reunião, ele concordou em participar de um comitê de alto nível para discutir temas de interesse comum com o governo.