Título: Decisão de Lula é ingerência na estatal
Autor: Kelly Lima
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

Para analistas, determinação para Petrobrás absorver aumento do gás prejudica os acionistas minoritários

A determinação do governo de que a Petrobrás absorverá um eventual aumento no preço do gás boliviano foi criticada por especialistas consultados ontem pelo Estado. Mas todos concordam que a decisão não deve afetar muito as contas da empresa, pois os negócios na Bolívia representam só 2% da receita da estatal brasileira. As preocupações referem-se à ingerência do acionista controlador nas atividades da companhia.

"É a primeira vez que um presidente da República pede explicitamente que a empresa segure preço", diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, referindo-se a declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada, de que não haveria repasse para o consumidor. "Se o gás tem um custo, a Petrobrás não pode, como empresa, vender abaixo desse custo", diz um acionista da companhia.

Segundo Pires, os acionistas minoritários podem contestar a determinação de Lula se se sentirem lesados. "O acionista majoritário tomou uma atitude que pode prejudicar os demais acionistas." Cerca de 68% das ações da estatal estão com terceiros.

Analistas de banco de investimento avaliam que a crise terá pouco impacto sobre os resultados da estatal. "A Bolívia não representa absolutamente nada nos negócios da estatal", diz Ricardo Junqueira, da Ático Asset Management. "Só a conquista da auto-suficiência dará uns US$ 4 bilhões a mais, muito mais do que ela já investiu na Bolívia." A avaliação geral é que a situação boliviana é mais perigosa para a indústria consumidora do combustível, especialmente a paulista, do que para a estatal. As distribuidoras de gás canalizado devem ter impacto, pois o ritmo de crescimento das vendas deve cair.

'TODO MUNDO SABIA' A Petrobrás deve absorver no custo do transporte os US$ 2 de reajuste no preço do gás proposto pelo governo boliviano, para não haver repasse para o consumidor. Mas não deve escapar do aumento, diz o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Darc Costa, consultor informal do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

"A Petrobrás vai pagar um preço melhor do que o que está pagando", diz ele, que não vê contradição entre as declarações de Lula, que admite um reajuste negociado, e da estatal, que não aceita o aumento. Para ele, o discurso da empresa é o que tem de ser feito" para prestar contas aos acionistas, especialmente estrangeiros. "Se não, corre o risco de ser acusada de gestão temerária."

Segundo Darc, a Petrobrás paga US$ 3,23 por milhão do BTU pelo gás da Bolívia e cobra mais US$ 5 pelo transporte para o Brasil. "Há uma margem de ganho muito grande no transporte. O erro foi a empresa não ter feito seguro de risco político, pois essas mudanças não foram às escondidas. Todo mundo sabia que isso ia acontecer."