Título: Bolívia 1 x Brasil 0
Autor: Miguel Jorge
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Se Hugo Chávez personifica a nostalgia da revolução cubana, o presidente boliviano Evo Morales mostra que, mesmo após 50 anos de sua superada ditadura, Fidel Castro ainda influencia para pior a esquerda latino-americana - em pleno século 21 e 17 anos depois da queda do Muro de Berlim.

Pior: o caso Bolívia x Petrobrás, que ocorreria cedo ou tarde, poderá acontecer, proximamente, na Colômbia, no Equador, no Peru, etc., se outro líder populista-esquerdista sensibilizar o povo com o maniqueísmo de que pobre só vence quando o rico perde.

Nesses países, de períodos eleitorais turbulentos, o setor público e investidores privados brasileiros têm projetos binacionais nas áreas energética, rodoviária, entre outros, estratégicos para a região e para cada um. Mas o caso boliviano é emblemático: três meses após apoiar a vitória de Morales, a concepção geopolítica dos "parceiros" do presidente Lula não nos coloca, como ele queria, como nação-líder na região. Ao contrário: são chocantes, não fossem ridículas, as fotos de soldados do exército boliviano ocupando as instalações da Petrobrás.

Nenhuma surpresa, no entanto. Em entrevista ao Roda Viva, Morales já dera o aviso ao afirmar que a Bolívia estaria sendo "saqueada" pela Petrobrás e pela EBX, associada a capitais bolivianos na construção de fornos de ferro-gusa e praticamente expulsa do país. Para o ministro boliviano de Hidrocarbonetos, o gasoduto proposto pela Venezuela para abastecer de gás Brasil e Argentina "não passa de uma maluquice". Ao se queixar com Néstor Kirchner e Chávez do "nível de agressividade" de Morales contra nossas empresas, sobretudo a Petrobrás, Lula afirmou que "a Bolívia não está no bom caminho" (isso, antes da ocupação militar da empresa).

Não está mesmo, como não estão Kirchner, que é contra duas fábricas de papel e celulose uruguaias, ao lado da fronteira argentina, e outros falsos estadistas latino-americanos, eleitos com um discurso xenófobo, estatizante e retrógrado.

Não só pelos problemas da Petrobrás, que já investiu cerca de U$ 1 bilhão na exploração do gás boliviano, ou pela EBX, que arruma as malas para sair da Bolívia, mas pela dificuldade previsível, exceto para nosso governo, de que, eleito, Morales seria um problema.

Ou o que se poderia esperar de um candidato que declarava a Petrobrás parceira de seu desenvolvimento e, três meses depois, apontava o capital estrangeiro como responsável por sua penúria? (O governo brasileiro, mais exatamente o Ministério das Relações Exteriores, em vez de pôr as barbas de molho, considerou a eleição de Morales um fato auspicioso para a América Latina!)

Em função de seu projeto de liderança, com tons terceiro-mundistas, Lula arrumou "parceiros" nos quatro cantos da região e visitou países que mal conseguem andar sozinhos, oferecendo projetos, recursos e apoios. Mas, influenciar, mesmo, parece que não influenciou ninguém. Talvez esquecido de que a América Latina ainda é uma caixa de surpresas e que Bolívia, Venezuela, Peru, Equador e outros países, muy amigos, já viveram períodos de populismos e estatizações, sempre com péssimos resultados - no caso da Argentina, seu principal aliado regional, foram colocadas taxas contra nossas exportações.

Agora, é a Bolívia do presidente, cocaleiro e parceiro Evo Morales (para quem seu país está sendo "saqueado" e que, depois de ocupar, pode até expropriar os bens de uma empresa brasileira) que lembra a Lula que precisamos reaprender a fazer amigos. Mas amigos que participem do processo de desenvolvimento econômico com acordos que protejam os investidores, reduzam impostos de importação e abram as comportas para viabilizar o livre comércio. Exatamente o contrário da atitude do governo Morales.

Qual será o próximo amigo do presidente Lula a agir da mesma forma?