Título: Explosão de gastos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Levantamento feito pelo Estado com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) revela que a folha de pagamento dos braços especializados do Judiciário federal cresceu 103% acima da inflação, entre 1995 e 2005. O Ministério Público excedeu essa performance, com salários que aumentaram 120%.

Dois fatores são os principais responsáveis por esse aumento. O primeiro foi a contratação de mais juízes, promotores e serventuários. Ao contrário do Executivo, que passou a última década tentando reduzir seu quadro de pessoal, os tribunais federais empregavam em 2005 cerca de 22,4 mil pessoas a mais do que em 1995. O segundo fator é o nível médio dos salários no Judiciário, que é três vezes maior do que o do Executivo.

Segundo dados do Boletim Estatístico de Pessoal, enquanto o gasto mensal médio no Executivo foi de R$ 3.238 por funcionário civil, em 2005, nos tribunais federais foi de R$ 8.872 e, no Ministério Público, de R$ 9.688. Como os vencimentos de juízes e procuradores estão atrelados aos salários dos ministros do STF, toda vez que estes aumentam os salários, deflagra-se um efeito cascata nos demais escalões do Judiciário e da Procuradoria da República.

É isto que explica as disparidades salariais entre as corporações judiciais e as principais carreiras técnicas do Executivo, embora os funcionários dos três Poderes recebam pelo mesmo caixa da União. Enquanto, por exemplo, um embaixador e um professor titular de uma universidade federal recebem R$ 7.200, mais qüinqüênios, um juiz do trabalho e um juiz federal em início de carreira ganham R$ 14.772.

Além de imorais, essas distorções salariais constituem uma bomba de efeito retardado para as finanças públicas. Ao consagrar o princípio da isonomia, a Constituição abriu caminho para processos judiciais impetrados por determinadas corporações com o objetivo de assegurar a equiparação de vencimentos entre servidores de Poderes independentes. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, tem manifestado sua preocupação com o efeito dessas ações.

A explosão de gastos com aumento da folha de pagamento muito acima da inflação, no Judiciário, confirma uma velha distorção da política nacional. No Brasil, tende-se a considerar que a responsabilidade fiscal é obrigação exclusivamente do Executivo. As autoridades judiciais comportam-se, com freqüência, como se a saúde financeira do setor público fosse preocupação exclusiva dos administradores do Tesouro. Assim, as autoridades fazendárias cuidariam do equilíbrio das contas públicas, ficando os gestores da Justiça à vontade para decidir sobre as despesas de sua área. Essa liberdade tem sido invocada como condição inerente à autonomia dos Poderes.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi concebida para mudar essa mentalidade. Mas, ao fixar os limites de gastos com salários para cada Poder, ela foi generosa com o Judiciário. A instituição pode gastar com folha de pagamento até 6% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União. Mas, como seu gasto com pessoal hoje representa 4,89% da RCL, o Judiciário vem usando a folga para promover generosos reajustes salariais.

Trata-se de uma interpretação enviesada da LRF. Ao afirmar que destina à folha de pagamento menos do que o porcentual imposto pela lei, e portanto dispõe de margem legal para aumentar suas despesas de caráter continuado, a Justiça confunde limite permitido de gasto com piso para gastar. Entende que a possibilidade de gastar até um determinado total equivale à obrigação de fazê-lo.

Preocupado com o impacto desse tipo de interpretação da LRF, o governo convocou na semana passada os presidentes da Câmara, do Senado e do STF para discutir critérios de uniformização das carreiras nos três Poderes e formas de contenção de gastos nos tribunais federais. Na ocasião, foi formado um grupo de trabalho para estudar alternativas e propor mudanças. Mas, para que as discussões cheguem a bom termo, é preciso impedir que leituras enviesadas da LRF, por parte do Judiciário, comprometam os salutares objetivos desse texto legal.