Título: O cordão dos joões-sem-braço
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2006, Nacional, p. A6

Os partidos todos ficaram surpresos com a resposta da Justiça Eleitoral a uma consulta sobre a aplicação da chamada verticalização, a regra que uniformiza alianças partidárias nas eleições seguindo o caráter nacional dos partidos muito claramente estabelecido na Constituição, mas o PMDB ficou particularmente perplexo.

Crentes de que tinham sido espertos ao extremo ao matar uma após a outra as candidaturas presidenciais para deixar o partido livre a fim de permitir toda sorte de negociações nos Estados, os pemedebistas ficaram literalmente sem palavras.

Agora já cogitam dar o dito pelo não dito e até Anthony Garotinho já pensa em se apresentar de novo à convenção como candidato a presidente da República.

Nas outras legendas também houve abalos, corre-corre e expectativa de viravoltas, sendo a mais incrível delas a possibilidade de PSDB e PFL virem a desfazer a aliança nacional para facilitar os acertos regionais.

O que chama atenção não são as idas e vindas de posições. Causa espécie é a surpresa dos partidos, pois a decisão que lhes pregou um susto não encerra novidade alguma. Estava lá o tempo todo inscrita na lei aprovada em 1997, tendo, portanto, quase dez anos de idade.

O que havia até o pronunciamento explícito do Tribunal Superior Eleitoral na última terça-feira era uma leitura conveniente da lei, baseada em procedimento adotado na eleição de 2002, mas depois disso devidamente revisto pelo Supremo Tribunal Federal.

A regra é muito clara: partindo do princípio de que os partidos têm caráter nacional, as alianças eleitorais precisam ser as mesmas, quer dizer, ser integradas pelos mesmos parceiros, no pleito federal e nos estaduais.

Isto posto, partido que não tem candidato a presidente, é óbvio, não pode fazer aliança nos Estados com partidos que tenham candidato ou que integrem chapas em disputa da Presidência.

Uma interpretação livre e personalíssima fez com que os partidos se comportassem como os inventores da roda, ignorassem a norma como ela é e adotassem a regra tal qual ela lhes convém.

Agora estão, principalmente os pemedebistas, diante do seguinte dilema: apresentar candidato próprio já sabendo de antemão que será um laranja ou se aliar formalmente a um dos dois principais oponentes, PT ou PSDB, sem poder firmar parcerias diferentes nos Estados.

Outra hipótese é ficar sem candidato e se aliar regionalmente a legendas igualmente fora da disputa presidencial.

É claro que a reação mais imediata do mundo político é também a mais fácil: acusar o TSE de ter mudado a regra em cima da hora do jogo, condenar o Judiciário por tentar legislar e ainda fazê-lo fora do prazo legal.

Tudo espuma. Esperneios de quem achava que poderia burlar o espírito da norma da verticalização dando a ela uma aplicação mitigada.

O presidente do TSE já havia avisado em seu discurso de posse - ao qual são feitas aqui repetidas referências, pois está ali o norte da conduta da Justiça nesta eleição - que não haveria concessões ao "faz-de-conta" nem contemporizações com a aplicação da lei.

Os políticos naturalmente acharam que Marco Aurélio Mello estava se referindo apenas aos escândalos de corrupção que assolaram o governo, solaparam a dignidade do PT e fizeram da desfaçatez norma de conduta.

Pelo visto, o ministro estava falando mesmo era do conjunto da obra, do arraigado costume existente entre nós de deixar que a lei "pegue" do jeito mais conveniente; e isso quando "pega".

Fato é que a lei está onde sempre esteve. Os partidos é que não pretendiam cumpri-la e, vendo-se diante dessa obrigação, reclamam.

É o que dá adiar a reforma política, trocar as mudanças necessárias por remendos e arranjos ocasionais.

A Justiça Eleitoral, reconheçam os partidos, só está fazendo a parte que lhe cabe nesse latifúndio: aplicando as normas em vigor sem a preocupação de adaptá-las às conveniências eleitorais de quem quer que seja.

A fúria

Escreve Alfredo Guarischi a propósito da invasão dos sem-terra no Congresso anteontem: "Os americanos da cidade de Hell (inferno), no Estado de Michigan, celebram hoje (ontem, 6 de junho) o sexto dia do sexto mês do sexto ano do novo milênio.

"A festa é uma comemoração ao dia da besta, ou 666. Acho que o Brasil assimilou mais uma dessas esquisitices, o que me dá medo."

Segurança

A gravação da reunião em que os sem-terra combinaram a invasão à Câmara não deixa dúvida sobre a certeza da impunidade: em nenhum momento eles cogitam a hipótese de serem reprimidos.

Tratam de vários pontos, menos da ação para escapar da reação das autoridades. Isso porque a leniência do Estado já havia sido testada anteriormente nas invasões de terras, prédios públicos, laboratórios de pesquisa etc.