Título: Dos males, o maior
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2006, Nacional, p. A6

Se não foi fatal, decisão da OAB foi altamente constrangedora para o presidente

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ficou no meio termo: nem se arriscou a apresentar um pedido de abertura de processo de impeachment contra o presidente da República a um Congresso sem autoridade moral nem disposição política para julgar mais ninguém - muito menos o presidente Luiz Inácio da Silva - nem deixou as coisas por isso mesmo.

A decisão de representar criminalmente contra Lula junto ao Ministério Público pode não ter resultado prático; vai depender do procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, aceitar o pedido, o que, em princípio, não seria condizente com a exclusão do presidente da denúncia anteriormente encaminhada por ele ao Supremo Tribunal Federal.

Mas a atitude de pedir providências contra o presidente da República sem dúvida alguma tem um efeito moral. Quer dizer que a maioria dos conselheiros da OAB considera Lula passível de enquadramento criminal. Em qualquer país do mundo, para qualquer governante, isso seria razão de grande constrangimento.

Para o governo e o presidente, entretanto, foi motivo de comemoração. De acordo com relato do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, Lula mostrou-se satisfeito com o resultado da reunião da OAB a respeito do qual fez a seguinte avaliação: "Ótimo, muito bom."

É de se perguntar: ótimo para quem?

Para a oposição, talvez, dada a impossibilidade concreta de levar adiante um processo de impeachment em pleno ano eleitoral; para a Mesa da Câmara, certamente, pois não precisará arcar com o ônus do arquivamento ou do prosseguimento de uma ação fadada ao fracasso.

Mas para o presidente, a decisão está longe de ser boa, quem dirá "ótima".

De acordo com o entendimento do conselho da OAB, existem elementos que indicam envolvimento do presidente em ilícitos penais praticados em meio ao escândalo do mensalão e, por isso, justifica-se o pedido ao Ministério Público para o "aprofundamento das investigações" na direção de Lula.

Trata-se, portanto, de uma declaração de suspeição que ninguém dono da convicção da própria inocência poderia receber com o agrado manifestado pelo presidente. Seu porta-voz no caso, o ministro Tarso Genro, foi ainda mais temerário nos festejos.

Interpretou a decisão como uma evidência de que a OAB não se submeteu ao jogo político, recusando-se a servir de instrumento eleitoral da oposição.

Ou seja, reconheceu isenção política da Ordem para questionar publicamente a probidade do presidente e ainda conferiu de antemão valor de imparcialidade a uma ocasional revisão da resolução tomada agora pela OAB.

A reação festiva a uma decisão que não atesta confiança na inocência do presidente da República, antes reconhece apenas ausência de condições objetivas para pedir a interrupção de seu mandato, revela o quanto o governo espera pouco de si e exige menos ainda em matéria de respeito à própria reputação.