Título: Na cadeia, celular custa R$ 200
Autor: Roberta Pennafort
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Metrópole, p. C6

O caminho para ter aparelhos, drogas ou álcool é simples: basta um agente conivente e dinheiro no bolso

Evidenciado com as rebeliões simultâneas que eclodiram há três semanas em São Paulo, sob comando do Primeiro Comando da Capital (PCC), o uso de celulares por detentos é realidade em muitos presídios do Estado. O caminho para conseguir um aparelho é simples: basta encontrar um agente conivente e desembolsar entre R$ 200 e R$ 400, dependendo do nível de rigor na unidade prisional.

'Com jeitinho e dinheiro, entra de tudo na cadeia', diz João (nome fictício), preso em regime semi-aberto. Segundo ele, o valor do aparelho varia. Nas unidades da capital, consideradas 'menos duras', paga-se menos; no interior, o custo é elevado. 'Celular é o que mais entra. Todo mundo quer. Numa prisão rígida, tem gente que paga até R$ 2 mil', diz João, que já passou por um Centro de Detenção Provisória (CDP) e pela Penitenciária 2 de Pirajuí, por assalto.

José, que foi condenado pelo mesmo crime e também obteve a progressão de regime, conta que não é só telefone que chega às celas mediante propina. Bebidas alcoólicas são bastante requisitadas. 'Pinga não precisa, porque lá dentro dá para fazer a ´maria louca´(cachaça artesanal). Mas a vodca dá para conseguir a R$ 50 por garrafa com os ´funça´ (funcionários)."

Drogas também têm preço: uma porção de maconha custa de R$ 5 a R$ 20. O papelote de cocaína sai a R$ 10 ou R$ 20. 'Na rua, o pó é mais caro. Só que no ´barraco´ (cela) o melhor é um baseado, porque te deixa tranqüilo e você esquece o inferno que está passando', explica José, que cumpre pena na capital. O contato com os agentes, diz, é feito pelos presos, que sabem bem quem são os guardas 'confiáveis'. Os itens proibidos podem ser adquiridos pelos servidores, sob encomenda, ou repassados a eles por parentes ou advogados dos interessados.

Outra forma de ter um celular - para conversar com a família ou comparsas - é contratar uma mulher que entre no presídio com o telefone nos genitais. 'Por R$ 100 e até R$ 50 tem gente faz isso', diz João Rinaldo Machado, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Penitenciário do Estado.

O controle feito pela Secretaria da Administração Penitenciária tem se intensificado. Nas 106 unidades de regime fechado (32 CDPs e 74 penitenciárias), são retirados por mês das mãos de presos e visitantes cerca de 200 celulares. Segundo a secretaria, a punição de corruptos também apertou. De 2000 a 2005, 270 agentes foram demitidos, por conivência com presos ou outras infrações, como faltas ao trabalho. Casos de corrupção são minoria.

De 2002 em diante, passaram a ser contadas suspensões (foram 367, de 2002 a 2005) e repreensões (265). No mesmo período, três perderam as aposentadorias, por causa de desvios. Os números de 2006 não foram divulgados.

O corregedor da secretaria, Antônio Ruiz Lopes, não acha os índices significativos diante do universo de funcionários: 22 mil. 'A média vem caindo, conforme saneamos o sistema. Foram 59 demissões em 2004 e 8 em 2005. Existe esse tipo de pessoa em qualquer lugar.'

Para Gilberto Paulo de Araújo, agente há 32 anos, é injustiça culpar a categoria pela entrada de celulares na prisão. 'Ninguém fala de advogados, oficiais de justiça, médicos e empresários que têm oficinas. Já teve dentista preso em flagrante', diz Araújo. 'Ganho pouco, já fiquei 20 dias como refém. Já me ofereceram dinheiro e nunca aceitei, mas é preciso dizer: nosso salário é ´corruptível´.'