Título: Nível de ensino não é prioridade para os pais
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Vida&, p. A15

Pesquisa revela que formação do professor fica em segundo plano

Uma pesquisa realizada em quatro Estados sobre a educação infantil, que inclui creche e pré-escola, mostra que neste caso o nível de ensino ainda é pouco valorizado no País. Quase 40% dos pais entrevistados disseram que seus filhos - entre 0 e 6 anos - não estão na escola porque isso não é importante ou porque acreditam que eles são novos demais.

O problema aparece aliado à já conhecida falta de vagas públicas na educação infantil, principalmente nas creches. Na pesquisa, 24% dos pais disseram não conseguir lugar para seus filhos nos estabelecimentos. O País tem cerca de 11 milhões de brasileiros entre 0 e 3 anos e só 1,4 milhão deles estão em creches, segundo o Ministério da Educação.

"No Brasil, ainda há dúvidas sobre a importância da educação infantil, muitos acreditam que a criança deve ficar só com a família ou com a mãe", diz a responsável pela Consulta sobre Qualidade da Educação Infantil e educadora da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Maria Malta Campos. "Infelizmente, ainda se pensa a creche como assistencialismo, como um equipamento para atender a mãe. Se a mãe não trabalha, então não se coloca na creche", completa a especialista em educação infantil da Universidade de São Paulo (USP) Tizuko Mochido.

Desde 1996, no entanto, a legislação brasileira já considera o ensino infantil como a primeira etapa da educação básica. Nos municípios, a administração das creches foi transferida para as secretarias de Educação. As mudanças vieram após constatações recentes da neurociência, mostrando que a maioria das conexões cerebrais se forma entre o nascimento e os 3 anos, graças à interação do bebê com os estímulos do ambiente. Professores bem formados passaram a ser exigidos para trabalhar na educação infantil, já que sua função deixou de ser a de apenas cuidar da criança e passou a ser de favorecer seu pleno desenvolvimento.

As leis brasileiras exigem que até 2007 os professores tenham formação em nível superior ou, no mínimo, magistério. Na França já há a obrigatoriedade de mestrado para quem trabalha com educação infantil. A pesquisa mostrou que 27% dos professores que trabalhavam nas instituições pesquisadas tinham ensino superior completo. O número geral do Brasil, segundo o MEC, é de 37,67% - há ainda mais de 2 mil deles que não têm nem o ensino fundamental completo.

"É preciso transformar a educação infantil em um direito de fato, com educadores bem formados, estrutura, materiais", diz Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que teve a idéia de fazer a pesquisa. Foram ouvidas 1.136 pessoas, entre professores, pais e até as crianças (ver texto à pág. 16), no Rio Grande do Sul, Minas, Pernambuco e Ceará. As escolas eram públicas, privadas ou conveniadas. A organização dos dados é da Fundação Carlos Chagas. Segundo Maria Malta, as conclusões podem ser aplicadas ao restante do País.

A formação dos professores não foi considerada o item de maior importância numa boa escola de educação infantil para os pais. O que eles mais assinalaram foi a resposta sobre "cuidar bem da criança". "Ainda se pensa que qualquer mulher boazinha e bem-intencionada pode cuidar de criança", diz Maria Malta.

Para explicitar a importância da educação infantil, o MEC divulgou neste mês dois documentos: Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil e os Padrões de Infra-Estrutura da Educação Infantil. "É impossível determinar um padrão de escola, mas o documento recomenda que haja espaços lúdicos dinâmicos, lactário, solário", diz a diretora da área no MEC, Jeanete Beauchamp.