Título: García é o novo presidente do Peru
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Internacional, p. A10

Apuradas quase 80% das urnas, ele contava com 52,4% dos votos e o nacionalista Humala, 47,6%

O ex-presidente Alan García, do Partido Aprista Peruano, venceu ontem o segundo turno da eleição presidencial do Peru, de acordo com a contagem rápida da Organização Civil Transparência, entidade independente observadora da lisura do processo eleitoral. Ele obteve 52,4% dos votos, enquanto seu rival, o candidato nacionalista Ollanta Humala, da coalizão União pelo Peru (UPP), ficou com 47,6%. A projeção é parecida com a do instituto de pesquisa Apoyo, que deu 52,7% a García e 47,3% a Humala. O primeiro boletim oficial, com 77,33% dos votos apurados, confirmava a tendência: 55,45% a 45,54% em favor do candidato aprista.

O Escritório Nacional de Processos Eleitorais (Onpe, pelas iniciais em espanhol) espera contar até hoje à noite mais de 90% dos votos.

Humala venceu em 15 dos 25 departamentos (províncias) do país. Em Ayacucho (centrosul), obteve mais de 80% dos votos; em Cuzco, mais de 70%.

Mas García arrasou em Lima, que concentra mais de 5,6 milhões dos 16,5 milhões de eleitores do país. O candidato aprista obteve 63% dos votos na capital. Logo após a divulgação do resultado das projeções, García deixou sua casa em San Isidro e se dirigiu à sede de campanha, onde uma multidão de partidários o esperava. O candidato esperou o resultado da Transparência para dirigir-se aos peruanos, prometendo desenvolver o país e atender às queixas das províncias mais pobres, onde Humala teve mais votos.

Depois, advertiu aos seus colegas de partido que não esperem cargos públicos nem privilégios e se comprometeu a manter a austeridade.

Com o resultado, García retorna à presidência de um país que ele deixou em situação caótica durante seu primeiro mandato (1985 e 1990) e impõe uma das mais duras derrotas ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, que interferiu diretamente na eleição peruana ao apoiar Humala e entrar num tiroteio verbal com García. 'Aqui, o único derrotado não tem carteira de identidade peruana', discursou, referindo-se a Chávez. 'Que saiba que aqui há um povo digno e orgulhoso de sua independência e de sua democracia.' Humala, por seu lado, também se dirigiu a seus partidários antes da divulgação do resultado da Transparência para proclamar a 'grande vitória política e social dos peruanos', festejou o triunfo de seu movimento na maior parte dos departamentos peruanos e lembrou o fato de que a UPP conseguiu a maior bancada do Congresso na eleição legislativa de 9 de abril, com 44 dos 120 deputados. 'A esperança venceu o medo', declarou, convocando 'todas as forças democráticas e de esquerda' para a formação de uma 'frente nacionalista'.

Sua retórica foi a de um líder da oposição, mas não reconheceu explicitamente a derrota.

Duas horas depois, voltou ao palanque para denunciar a 'soberba' de García por ter feito seu discurso de vitória antes mesmo do primeiro boletim do Onpe. Humala foi o mais votado no primeiro turno da eleição de abril, com 30,6% dos votos. García chegou ao segundo turno após superar a terceira colocada na primeira votação, a conservadora Lourdes Flores, por apenas 0,5 ponto porcentual, com 24,3% dos votos. Após uma campanha marcada por acusações e insultos, o nacionalista não conseguiu se livrar da suspeita de ser um instrumento da Chávez é apontado como um dos grandes derrotados no pleito peruano pretensão de Chávez de ampliar sua influência na região.

Em Arequipa, no sul do país, a polícia teve de intervir para separar grupos de militantes apristas e nacionalistas que ameaçavam partir para o confronto na Praça de Armas. Mas apesar da série de boatos segundo as quais a eleição seria marcada por atos violentos e pela provocação de 'agentes venezuelanos infiltrados', a votação foi tranqüila.

Humala foi o primeiro dos dois candidatos a votar. Pela agenda que distribuiu, ele participaria de um café da manhã com seus principais seguidores e a imprensa às 9 horas e votaria na Universidade Ricardo Palma, em Lima, ao meio-dia.

Mas, aparentemente para evitar a confusão que marcou a votação no primeiro turno, o horário da votação foi alterado de surpresa. Em abril, uma multidão de partidários da candidata conservadora Lourdes Flores passou a hostilizar o nacionalista e um reforço policial teve de ser chamado para retirá-lo do local.

Ontem, Humala chegou à Ricardo Palma às 9h30, votou ao lado da mulher, Nadine Heredia, com relativa tranqüilidade e deixou a universidade sem dar declarações. O café da manhã ficou para depois da votação. Humala justificou a inesperada antecipação de seu voto alegando que a alteração era necessária para que ele pudesse realizar 'as inúmeras atividades do dia'.