Título: Eleitor carente não quer benefício, mas oportunidade
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Nacional, p. A4

Uma conversa com pessoas que recebem benefícios do Estado reserva muitas surpresas, como revela uma série de entrevistas com donas de casa do Varjão, povoado célebre pelos índices de violência e pobreza nas vizinhanças de Brasília. Mãe de dois filhos pequenos, grávida do terceiro, a empregada doméstica Luiza Daiana conseguiu o Cartão do Cidadão, um dos avôs do Bolsa Família, quando morava no interior do Piauí.

Caso lhe perguntem se por causa disso vai votar em Lula, cujo governo lhe paga benefício de R$ 60 por mês, ou no pré-candidato Geraldo Alckmin, do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, que criou o Cartão do Cidadão, ela reage com espanto. "Se fosse votar para agradecer a alguém, seria à prefeita de minha cidade. Só recebo esse dinheiro porque ela colocou meu nome na lista das pessoas beneficiadas", diz.

Mais de 600 famílias do Varjão recebem, todos os dias, uma ração alimentar, que consiste num litro de leite tipo C e dois pãezinhos para cada criança da casa, num programa criado pelo então governador Joaquim Roriz. "O Roriz se importa mesmo com os pobres e eu seria capaz de votar nele mesmo que não tivesse recebido nada", afirma a dona de casa Claudenice Alves da Silva. Ela conta que uma vez ganhou uma cesta básica de um candidato, mas na hora de votar colocou o nome de outro. "O voto é meu."

Deve-se dar um desconto para as declarações desses eleitores. Ninguém gosta de admitir que escolhe o seu candidato por razões egoístas e isso vale tanto para o eleitor carente como para um empresário.

O psicólogo Rui Melo, dono de um pequeno escritório de pesquisas qualitativas de Goiânia, acha que o eleitor encara os benefícios do Estado como "um mal necessário". Ninguém pede esse tipo de benefício para um candidato. "As pessoas querem emprego, querem mais oportunidade", diz o psicólogo, para quem "o eleitor considera o benefício um atestado de incapacidade e preferia não precisar dele".

Rui Melo faz grupos de pesquisa qualitativa com eleitores carentes desde os anos 80. "A maioria de nossos eleitores tem um padrão moral rígido", conta o psicólogo. "Acha que o governo tem obrigação de ajudar quem é muito velho ou quem é doente. Os outros devem garantir o próprio sustento."