Título: Destruição das agências
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou as agências reguladoras logo no começo de seu governo. Passados três anos e meio, ele parece estar vencendo a guerra sempre intensa, ainda que nunca declarada, que moveu contra elas. Quando pôde, usou critérios políticos nas nomeações de diretores, sujeitando a conveniências partidárias e eleitorais o sistema regulatório da infra-estrutura. Pôs em risco, assim, atividades básicas para a economia e para normalidade da vida brasileira. Mas foi além da distribuição política de cargos e deixou as agências serem sufocadas por falta de recursos e, no final, também por falta de direção.

Estão incompletas as diretorias de várias agências. Algumas têm apenas três diretores, número mínimo para deliberação. Uma não tem nenhum diretor desde fevereiro: é a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Dela dependem as autorizações de funcionamento de terminais portuários e de operação de novas companhias de navegação.

O caso da Antaq é o mais grave. Mas também há diretorias vagas na Agência Nacional de Petróleo (ANP), na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Criadas nos anos 90, as agências foram concebidas como instrumentos de regulação de atividades básicas para o funcionamento da economia, como serviços de transportes, de energia e de comunicações. Deveriam funcionar como órgãos de Estado, não de governo, para ficar livres de influências político-partidárias e das conveniências mutáveis de presidentes da República e de ministros. Deveriam cuidar de contratos de concessão, de tarifas e de normas de prestação de serviços. Seus dirigentes deveriam ter mandatos. Esses mandatos deveriam ser concluídos em datas diferentes e não coincidir com o do chefe do governo.

Regras mais estáveis seriam uma das vantagens do sistema. O jogo seria mais previsível para os investidores e, portanto, eles poderiam decidir com maior segurança, como ocorre quando iniciam projetos em países do Primeiro Mundo.

Os ataques ao sistema de agências começaram em 2002, antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Figuras do PT anunciaram a intenção de retirar poderes das agências para concentrá-los, de novo, nos gabinetes do Executivo.

Como candidato e como presidente recém-eleito, Luiz Inácio Lula da Silva foi discreto e contido em relação ao tema. Mudou de atitude logo depois da posse. Em pouco tempo começou a criticar a ANP. Queixou-se de saber pela imprensa de mudanças nos preços dos combustíveis. Ficou claro, a partir daí, seu desagrado em relação à autonomia operacional das agências. A concepção dominante de democracia, no PT, não se ajusta facilmente à noção de instituições e de entidades independentes do governante em exercício. O Banco Central desfrutou de autonomia de fato, mas isso resultou da ação do ministro Antonio Palocci. Ele foi capaz de mostrar ao presidente Lula a conveniência, para o governo, de respeitar as decisões técnicas sobre política monetária. Ou, de outra perspectiva, o perigo de exibir ao mercado um BC conduzido pelo voluntarismo e por interesses de curto prazo.

O Executivo não agiu com tanta cerimônia em relação às agências reguladoras. No começo do governo houve um conflito ominoso entre o ministro das Comunicações e a Anatel. Depois, o surgimento de vagas em diversas diretorias deu ao governo a oportunidade de aparelhar as agências. Numerosos cargos foram preenchidos com petistas derrotados em eleições, como informou o Estado em janeiro do ano passado. O projeto de lei de regulamentação das agências, ainda em tramitação no Congresso Nacional, também foi aproveitado pelo governo em sua tentativa de comandá-las politicamente. Os principais defeitos do projeto foram apontados há quase um ano e meio pelo então diretor-geral da ANP, embaixador Sebastião do Rego Barros, pouco antes de deixar o posto. Ele chamou a atenção para a tentativa do Executivo de enfraquecer as agências, transformando-as em extensões do governo.

O contingenciamento de verbas também ajudou a debilitar as agências reguladoras, agora reduzidas, em alguns casos, à quase inoperância. Com menor segurança para o investimento, perde o País.