Título: O grevismo no setor público
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Na mesma semana em que os funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) encerraram uma greve que durou quase quatro meses, os auditores da Receita Federal completaram os primeiros 30 dias de paralisia de suas atividades e os funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) realizaram uma greve de advertência de 72 horas. Além dessas categorias, os serventuários da Justiça Federal, da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral se encontram de braços cruzados desde a primeira semana de maio.

Todos esses protestos são motivados por reivindicações salariais - que começaram a ser atendidas por medidas provisórias esta semana. A greve da Anvisa foi deflagrada pelos funcionários mais antigos, que exigiam equiparação de vencimentos com os funcionários mais novos. A paralisia dos auditores da Receita, uma categoria cujo piso é de R$ 7 mil, tem por objetivo pressionar o governo a negociar um "plano de valorização da categoria". Os serventuários dos tribunais federais cruzaram os braços para forçar a Câmara a votar um plano de carreira que aumenta os vencimentos em até 50%. Com sua "advertência", os previdenciários querem forçar os Ministérios do Planejamento e da Fazenda a ampliar o acordo firmado em setembro do ano passado, quando a corporação realizou a terceira mais longa greve do Instituto Nacional do Seguro Social.

Como sempre, quem arca com as conseqüências desses protestos é a sociedade. A greve da Anvisa causou prejuízos de US$ 700 milhões e comprometeu a oferta de medicamentos de uso continuado e de insumos para a realização de diagnósticos. A paralisia dos auditores da Receita já acarretou perdas de US$ 750 milhões para a Zona Franca de Manaus e está obrigando as fábricas ali instaladas a suspender as linhas de produção de equipamentos eletrônicos e cinescópios. O protesto dos serventuários dos tribunais federais levou os juízes a suspender o prazo dos processos, especialmente na Justiça do Trabalho. E a "greve de advertência" dos funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social impediu os trabalhadores de encaminhar pedidos de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-maternidade e pensão por morte.

O aumento desenfreado do número e da duração das greves de servidores é conseqüência da ausência de mecanismos formais de negociação salarial na administração direta. Além de não terem data-base e dissídio coletivo, os servidores do Executivo e do Judiciário não têm direito a reajustes anuais e o atendimento de suas pretensões salariais depende da disponibilidade de recursos. Em outras palavras, é conseqüência da ausência de uma regulamentação do direito de greve no setor público.

Desde que a Constituição de 88 concedeu o direito de greve ao funcionalismo, nenhum governo teve a coragem de enviar ao Congresso um projeto de lei disciplinando seu exercício. Graças a essa omissão é que surgiu a "greve remunerada", no âmbito do Estado. Ao contrário do setor privado, onde a paralisia do trabalho prejudica tanto as empresas, que passam a vender menos, quanto os empregados, que perdem os dias parados e podem ser dispensados, na administração pública não há risco para os servidores. Como não podem ser demitidos e os dirigentes não têm coragem de cortar o ponto, a possibilidade de punição é remota. Além de receber mesmo quando cruzam os braços, os servidores não são obrigados a repor as horas paradas.

Só em 2004, foram 4 mil horas de interrupção, num total de 31 greves. Não é à toa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a autoridade de quem liderou várias paralisias na iniciativa privada, tem afirmado que, para o funcionalismo público, a greve equivale a férias.

Pelos vultosos prejuízos que causa à economia e por prejudicar principalmente os segmentos mais pobres da população, os que mais dependem de serviços essenciais, o grevismo dos servidores tornou-se um grave problema de ordem pública. No início de seu mandato, Lula prometeu promover a regulamentação, mas a promessa não foi cumprida.