Título: Drogas - demagogia e seriedade
Autor: Carlos Alberto Di Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2006, Espaço Aberto, p. A2

O uso de drogas ilícitas no mundo vem crescendo, apesar dos esforços de controle. No ranking da cocaína, por exemplo, o Brasil exerce triste liderança. O País é hoje o maior mercado consumidor da droga da América do Sul e provavelmente o segundo maior das Américas. O Brasil, infelizmente, tem não apenas uma crescente demanda doméstica, mas é um corredor de distribuição mundial de drogas. Ademais, o aumento no consumo das drogas sintéticas tem sido significativo. Ao contrário das drogas tradicionais, feitas à base de plantas, as drogas sintéticas são feitas com produtos químicos facilmente obtidos em laboratórios improvisados. A repressão é, por isso, muito mais difícil.

As conseqüências da assustadora escalada das drogas podem ser comprovadas nos boletins de ocorrência de qualquer delegacia de polícia. De fato, o tráfico e o consumo de drogas estão na raiz da imensa maioria dos assassinatos. E o que é pior: a idade das vítimas e dos criminosos é cada vez menor. A detenção de crianças, algumas com menos de 10 anos, com papelotes de cocaína e cigarros de maconha é uma triste rotina nas rondas policiais. O fato revela um dado preocupante na estratégia dos traficantes: a utilização de mão-de-obra infantil no esquema de distribuição das drogas.

Observa-se, lamentavelmente, um crescente movimento a favor da descriminação das drogas, sobretudo da maconha. Bandeira freqüentemente agitada em alguns setores da mídia e em redutos de profissionais da saúde, a descriminação não ajudará em nada. Ao contrário. Como afirmou o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), "artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco de os jovens desenvolverem doenças mentais". E sublinhou o especialista: "Do meu ponto de vista, essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termo de aumento de quadros psiquiátricos."

O comentário bate de frente com o proselitismo pró-legalização que tem ocupado espaço na imprensa. Questiona, também, a falácia que está na raiz de certas políticas de redução de danos. Profissionais da saúde, talvez influenciados pelos lobbies em favor da liberalização de algumas drogas (leia-se maconha), estão tentando conciliar realidades antitéticas. De fato, não obstante o discurso em defesa da prevenção e recuperação de adictos, há uma clara diminuição da importância que, com razão, se atribuía à terapia da abstinência. Multiplicam-se, ao contrário, declarações otimistas a respeito das estratégias de redução de danos. O fundamental, afirmam os defensores da política light, não é a interrupção imediata do uso de drogas, mas que o dependente tenha uma melhora em suas condições gerais.

A opção pela redução de danos pode ser justificada em casos contados, mas não pode ser guindada à condição de política de saúde. Embora alguns usuários possam imaginar que sejam capazes de controlar o consumo, cedo ou tarde descobrem que, de fato, já não são senhores de si próprios. Existe, sim, usuário iniciante, mas que depois tende a se transformar em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a marca do adicto. Um cigarro de maconha, na avaliação de inúmeros usuários com quem conversei, pode ser o começo de um itinerário rumo ao inferno das drogas.

A verdade, caro leitor, precisa ser dita. Não se podem admitir argumentos politicamente corretos quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas nos barracos da periferia abandonada e nas baladas dos bares e boates freqüentados pela juventude bem-nascida. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, as únicas armas eficazes a médio e longo prazos, reclamam um apoio mais efetivo do governo e da iniciativa privada às instituições sérias e aos grupos de auto-ajuda que lutam pela reabilitação de adictos.

Tenho acompanhado o excelente trabalho realizado por alguns serviços especializados. O Grea (setor vinculado ao Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo - www.usp.br/medicina/grea) e a já mencionada Uniad (da Unifesp - www.uniad.org.br) desenvolvem importantes esforços na recuperação de adictos. Admiráveis têm sido as atividades promovidas pelos grupos de Narcóticos Anônimos (www.na.org.br) e Amor-Exigente (www.amorexigente.org.br) e a bem-sucedida estratégia adotada pelas comunidades terapêuticas. Sem uso de medicamentos e apostando num conjunto de providências que vão às causas profundas da dependência, essas comunidades têm obtido bons índices de recuperação. Visitei algumas dessas instituições. Registro, entre outras, uma entidade de referência: a Comunidade Terapêutica Horto de Deus, em Taquaritinga, São Paulo (www.hortodedeus.org.br).

As comunidades terapêuticas, ordinariamente, não recebem nenhum apoio dos governos. No entanto, no Brasil, hoje, são responsáveis por boa parte da assistência aos dependentes químicos e às suas famílias. Funcionam. Queixam-se os políticos da força do crime organizado. Multiplicam-se os discursos demagógicos e a transferência das responsabilidades. Apoiar pesadamente as comunidades terapêuticas seria, sem dúvida, uma maneira prática e estratégica de atacar a raiz da criminalidade.

Esperemos que o governo Lula e os governos estaduais falem menos e façam mais.