Título: Ortega é teste para maldição de Chávez
Autor: Angela Perez
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2006, Internacional, p. A20

Daniel Ortega, o esquerdista que liderou a revolução sandinista na Nicarágua nos anos 80, quer se eleger presidente nas eleições de 5 de novembro. Mas para isso terá de se esquivar da amizade perigosa do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

"Não vou dizer que gostaria que você ganhasse, pois me acusariam de estar metendo o nariz nos assuntos da Nicarágua", disse Chávez a Ortega recentemente. "Mas espero que você vença." As declarações de Chávez imediatamente atraíram protestos. Mas o que mais causou furor entre rivais e membros do governo nicaragüense foi um complicado acordo acertado pelo governo Chávez para vender petróleo mais barato e com melhores condições de pagamento para a Associação de Prefeituras Nicaragüenses, que congrega as 153 prefeituras do país.

Como a maioria das prefeituras (87) é administrada por membros da Frente Sandinista de Libertação Nacional, o partido de Ortega, os outros partidos políticos consideraram o acordo como um plano para influenciar o voto e um meio de canalizar dinheiro para a campanha do ex-líder guerrilheiro.

O acordo entre Chávez e a associação liderada pelos sandinistas foi feito em meio a uma crise de energia, mas também antes de eleições que poderão levar mais um líder esquerdista ao poder na região. No ano passado, a escassez de energia levou a blecautes, racionamentos e greves nos transportes.

O analista político nicaragüense Aldo Diaz Lacayo, disse ontem ao Estado que esse acordo foi oferecido a outros governos centro-americanos e o de Honduras, que é liberal e não tem nenhuma ligação com Chávez, aceitou o benefício.

O acordo nicaragüense é de padre para hijo. A Venezuela receberá 60% do pagamento em 90 dias, enquanto que os 40% restantes serão pagos em 25 anos a juros de 1%, incluindo um período de dois anos de moratória. O plano é que o dinheiro referente a esses 40% seja investido na construção de casas populares. "Este é somente um mecanismo sofisticado para Ortega lavar dinheiro venezuelano para sua campanha", acusou o deputado Wilfredo Navarro, vice-presidente do governista Partido Constitucional Liberal.

A Frente Sandinista vem tentando consolidar seu enorme poder no legislativo, judiciário e prefeituras, apesar de Ortega ter perdido as últimas três eleições presidenciais. Pela primeira vez o ex-líder guerrilheiro lidera uma pesquisa eleitoral. Segundo pesquisa encomendada por empresários nicaragüenses a uma empresa americana, Ortega tem 36% de intenções de voto e Eduardo Montealegre, da Aliança Liberal Nicaragüense, tem 27%.

Para o analista político nicaragüense Oscar René Vargas, ouvido pelo Estado ontem, desta vez Ortega representa uma séria ameaça à direita na Nicarágua, profundamente dividida. "A direita está realmente preocupada, por isso aproveita todas as oportunidades para atrelar a imagem de Ortega à de Chávez", disse Vargas.

A amizade com Chávez pode acabar sendo maléfica para Ortega. Como foi demonstrado nos últimos meses, a manifestação de apoio de Chávez acabou prejudicando o candidato à presidência do Peru, Ollanta Humala, que perdeu as eleições para o candidato social-democrata, Alan Garcia. Até Chávez intrometer-se nas eleições e disparar ácidas críticas a Garcia e ao presidente Alejandro Toledo, Humala liderava as pesquisas.

O mesmo ocorreu com o ex-governador da Cidade do México Andrés Manuel López Obrador, que estava confortavelmente na frente nas pesquisas de opinião para as eleições de 2 de julho até que seu rival conservador, Felipe Calderón, lançou uma série de anúncios na TV ligando López Obrador a Chávez.

As eleições na Nicarágua ocorrerão em 5 de novembro e analistas dizem que é muito cedo para saber se a amizade com Chávez poderá ser fatal para Ortega e alimentar o que alguns consideram como um nascente movimento anti-Chávez na região.