Título: 'Nós somos donos da carne-seca'
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2006, Economia & Negócios, p. B4

O presidente Lula reafirmou ontem que o Brasil tem reservas suficientes para enfrentar os abalos no mercado financeiro internacional e disse, em discurso a empresários do setor ferroviário, que o governo não precisa mais obedecer às ordens de missões do Fundo Monetário Internacional. "Hoje somos um povo, como diz uma gíria nordestina, dono da carne-seca, não dependemos mais dos outros", ressaltou. "Acabou aquele tempo em que a gente tinha de ficar recebendo a delegação do FMI aqui, quando desciam pessoas no aeroporto e a televisão filmava uma mulher e um homem que vinham dizer o que nossos ministros deveriam fazer."

No pronunciamento, Lula queixou-se, com bom humor, das pressões por mudanças no câmbio. "Minha sala parece uma sacristia: entra um, que está exportando, que quer que o dólar suba, e outro, que está comprando, que baixe", afirmou. Em seguida, voltou a descartar uma intervenção do governo no mercado cambial. Para ele, a cotação do dólar chegará, "sem mágica e com seriedade, ao patamar a que deve chegar".

"Esse equilíbrio vai depender de uma conjunção da redução da taxa de juros com o aumento das exportações e a importação de máquinas e equipamentos", afirmou o presidente, ao participar do seminário "Brasil nos Trilhos", promovido pela Associação Nacional de Transporte Ferroviário e Ministério dos Transportes, num hotel da capital. Na avaliação de Lula, o ideal é que o País exporte muito e também importe muito.

"PAISINHO"

Lula disse que o Brasil não é mais "aquele paisinho" que devia a organismos internacionais e ressaltou o pagamento antecipado da dívida com o FMI contraída no governo passado. "Não devemos ao FMI, não devemos ao Clube de Paris e pagamos os títulos da moratória ainda do governo Sarney",acrescentou.

Ele disse que apenas 3 ou 4 países têm mais reservas que o Brasil que, segundo ele, deve disputar com a China a dianteira das nações mais desenvolvidas neste século. "Em nenhum momento da história econômica deste país tivemos tantos fatores combinando para dar solidez à economia, nunca tivemos tanta solidez", afirmou. "Por que não vamos dividir com a China o bolo do crescimento e da riqueza no século 21?". Ele cobrou empenho de todos os setores da sociedade para garantir a retomada do crescimento econômico: "O presidente está nos trilhos e todos nós precisamos entrar nos trilhos para ganhar a Copa do Mundo".

Ao falar do plano do governo de revitalizar as ferrovias, no entanto, Lula evitou apresentar números e ironizou o ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. "Tem uma pessoa que disse: 'O que é bom, eu mostro, o que é ruim, escondo", lembrou. E brincou com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos: "Não vou dizer que a bola está com você, Paulo Sérgio, porque você pode perder o pênalti", Comentou que é "uma vergonha" que, no Brasil, se faça por rodovia transporte de carga por até 3.500 quilômetros e citou a difícil situação do Corinthians no Campeonato Brasileiro para criticar seus adversários: "O Corinthians sempre anda para trás. Quem não acredita, não faz investimento, fica como o Corinthians: anda para trás".