Título: Ministro boliviano ironiza busca da auto-suficiência pelo Brasil
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2006, Economia & Negócios, p. B6

Para Soliz Rada, idéia é 'loucura'; ele quer voltar a negociar preço e nacionalização do gás

O ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, ironizou ontem a tentativa brasileira de atingir a auto-suficiência na produção de gás: "Dizer que em 2008 vão ser auto-suficientes em gás é uma loucura. Há um contrato firmado com o Brasil até o ano 2019, com uma cláusula que chama 'take or pay' (que determina que a Petrobrás pague pelo gás mesmo que não o consuma). Ou seja, nossas vendas estão garantidas até 2019".

Em evento no Rio, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, confirmou que o País pretende cumprir esse acordo. "Nós queremos que esse contrato continue existindo até 2019. O acordo estabelece o volume (de venda), a forma de medição do volume, como os preços serão reajustados e a quem será entregue. Ou seja, o contrato está em vigor." Ele lembrou que os termos do documento não estão sendo questionados.

A principal discussão, nesse caso, refere-se ao preço de venda do combustível ao Brasil. Há uma cláusula contratual que permite a qualquer das partes pedir revisão dos valores.

Apesar de o diretor de Gás e Energia da estatal, Ildo Sauer, ter repetido ontem que ainda não recebeu nenhuma proposta de aumento, os bolivianos sabem onde querem chegar: Soliz afirmou que usará como referência o preço do principal concorrente do gás no mercado brasileiro, o óleo combustível, que está cotado em US$ 7,50 por milhão de BTUs.

Segundo o ministro boliviano, o ideal é que o gás chegue à fronteira com o Brasil custando até US$ 6 por milhão de BTUs (unidade internacional de medida), preço 50% superior ao vigente.

Soliz disse que hoje o gás chega à fronteira a US$ 4 por milhão de BTUs, já contando os US$ 0,50 do transporte. Há, depois, um acréscimo de US$ 1,50 para pagar os custos e margens de lucro no Brasil até o preço final em São Paulo, de US$ 5,50 por milhão de BTUs. Ou seja, há uma margem de negociação de até US$ 2 sobre o preço cobrado na fronteira, que poderia subir para US$ 6.

"Sabemos que não vamos conseguir isso da noite para o dia, sabemos quão duros são os brasileiros para negociar, mas meu dever como ministro é que os bolivianos saibam que condições queremos", afirmou Soliz.

O ministro boliviano reclamou que as negociações com o Brasil estão paralisadas e disse que vai ligar pessoalmente para seu colega brasileiro, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, para pedir o retorno das conversas.

SEM MARGEM Sauer disse, no entanto, que é difícil aumentar o preço: "As margens da distribuição, aqui no Brasil, estão absolutamente apertadas, e o governo boliviano sabe disso. Temos técnicos atuando em grupos de trabalho na Bolívia que mostram a eles que, em alguns casos, o diesel praticamente empata com o gás natural. Obviamente, se puxarmos mais para cima o preço, o consumidor trocará de combustível."

Na entrevista em La Paz, Soliz pediu um tom mais amistoso entre os dois países, e, aqui, o diretor de Gás e Energia da Petrobrás concordou, dizendo que "não há nenhuma crise com a Bolívia, e nunca houve". O ministro boliviano, no entanto, criticou o presidente Lula por ter declarado que o Brasil continuaria a comprar gás da Bolívia para ajudar um país pobre. "Os brasileiros também têm um histórico de declarações fortes."

Gabrielli descartou a possibilidade de a estatal reduzir investimentos no exterior por conta do mal-estar gerado pela nacionalização das reservas bolivianas. Segundo ele, investimentos em locais de risco fazem parte do negócio. "Infelizmente, não há petróleo só em áreas de baixo risco", disse.

A Petrobrás planeja investir cerca de US$ 7 bilhões na ampliação de suas atividades no exterior até 2010.