Título: Prevenir ou reduzir danos?
Autor: Emilio Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2006, Vida&, p. A17

'Abordagem pragmática' provoca grande polêmica

Os programas de redução de danos de uso de drogas causam controvérsia entre os especialistas. Quem defende fala em abordagem pragmática e realista. Os demais apontam diversas restrições.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foi uma das pioneiras no Brasil a implantar um programa de redução de danos. Em 1998, após a regulamentação do Ministério da Saúde, os agentes do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) iniciaram a distribuição de seringas e preservativos para dependentes de drogas em situações de risco de contágio por doenças como a aids.

"Deixar de injetar e passar a cheirar cocaína não é o ideal, mas é menos prejudicial", diz o psiquiatra Marcelo Niel, coordenador do setor de assistência do Proad.

A substituição gradual do uso de drogas mais pesadas, como o crack, por outras de efeitos menos nocivos, como a maconha, fez com que 70% dos pacientes inscritos nos programas do Proad, em 2001, deixassem o vício. "Na fase de abstinência do crack, o paciente apresenta um 'pico' de uso da maconha, depois diminui até largar."

Mesmo com os bons resultados obtidos, os programas de redução de danos não são unanimidade. A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) defende que os programas sejam empregados como último recurso para quem que já tentou outros tratamentos.

Sérgio Paulo Ramos, psiquiatra e presidente da Abead, afirma que as políticas de saúde pública devem contemplar em primeiro lugar a prevenção e destinar a maior parte dos recursos a isso ."Achar que isso é a única coisa a fazer é a virar as costas para a prevenção", diz.

Ele propõe o aumento da prevenção ao consumo de drogas lícitas, como o tabaco e o álcool, como forma de impedir o contato com outras substâncias.

Para o psiquiatra Arthur Guerra, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos do Álcool e outras Drogas (Grea), os programas de redução de danos não podem ser considerados os únicos caminhos possíveis no combate ao uso das drogas. "É apenas uma das opções viáveis no cenário que temos", diz.

"Para um paciente sem uma rede social que lhe dê apoio essa é uma opção romântica", diz. Guerra afirma que programas como esses devem fazer parte de um projeto de prevenção maior. "O problema é que acaba sendo o único programa."