Título: Lula, câmbio e gastos públicos
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2006, Espaço Aberto, p. A2

No primeiro caderno de ontem, este jornal cobriu nova excursão eleitoral do presidente Lula, desta vez a Aguiarnópolis (TO). Uma das matérias teve como título Claque teve ônibus e marmita de graça e subtítulo População formou longa fila para receber arroz, feijão, farinha e frango, o que ilustra o caráter da visita.

Outra matéria, no caderno de Economia, se ocupou de declarações que o presidente fez então sobre a política econômica do seu governo, quando afirmou que não haverá mudanças no câmbio e nos gastos públicos. Mas, no mesmo caderno, veio notícia que desmente o que foi dito sobre esses gastos, pois ela novamente mostra que a política fiscal já mudou, e para pior. E mais: nos últimos dias surgiram várias informações de que a política cambial também pode mudar. Isso, entretanto, sem tocar no que é mais importante, o "fogo amigo" que ela recebe das políticas de juros e fiscal, ambas ingredientes do dólar barato que prejudica a economia como um todo, já com sinais devastadores, como nos agronegócios.

Quanto ao câmbio, afirmou que continuará "flutuante", mas o que há mesmo é um submerso cujo reduzido valor deixa excessivamente baratos os preços internos de produtos que o Brasil vende ao exterior, como o frango distribuído à claque e o óleo vegetal utilizado no seu preparo, desestimulando avicultores e industriais que os produzem e, assim, prejudicando o produto interno bruto (PIB) brasileiro. O câmbio atual também muito barateia as importações e favorece não o nosso PIB, mas o de países onde têm origem. Mesmo se o arroz das marmitas tiver sido produzido no Brasil, seu preço não seria tão barato na ausência de importações do produto.

Como o câmbio submerso diminui o custo da cesta básica, ele também é eleitoralmente conveniente, com a economia pagando a conta via menor taxa de crescimento. O novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, sabe disso e, coerente com suas idéias - o que é raro no governo -, vem ensaiando medidas para tirar a taxa de câmbio de seu afundamento. Entre as que a imprensa divulgou, haveria a permissão para que exportadores retivessem parte do seu faturamento em moedas estrangeiras, sem ter de vendê-las ao governo, o que hoje é obrigatório. E, também, uma redução do limite de capital exigido dos bancos para realizarem operações de câmbio, e para manter posições em moedas estrangeiras, o que ampliaria o número das instituições envolvidas nessas operações. Ambas as medidas contribuiriam para reduzir a oferta dessas moedas no mercado local e para aumentar suas taxas de câmbio em reais.

Essas taxas, contudo, são hoje muito baixas, dado o grande influxo de moedas estrangeiras associado ao quadro atual das nossas contas externas, em que há grande superávit comercial e nas transações correntes, reservas ampliadas e dívida pública externa reduzida. Os juros muito elevados no Brasil também atraem investidores em busca de melhor remuneração. Assim, entre os analistas a expectativa é de que as medidas cogitadas, conquanto necessárias e importantes no contexto de uma revisão da falsamente alardeada "liberdade cambial", seriam insuficientes para trazer um aumento significativo da taxa cambial em reais por dólar.

Para esse aumento o caminho seria outro, cujo passo inicial seria conter os gastos públicos correntes (não os investimentos, como em infra-estrutura) e o crescimento da dívida pública, preferivelmente mediante déficit final nulo, com o que cairia o risco dessa dívida, um dos ingredientes da alta taxa básica de juros. Outro ingrediente, a política de metas para a inflação, do Banco Central, teria a sua dosagem diminuída em face da menor pressão que os gastos do governo exerceriam sobre os preços. E, também, pela articulação de outras políticas de forma coerente com essa menor dosagem, entre as quais a política de rendimentos, que inclui os reajustes do salário mínimo.

Com a redução da taxa básica de juros e com a contenção do endividamento público o governo reduziria sua captação de recursos do setor privado e este passaria a ter dinheiro adicional e a taxas mais adequadas para ampliar investimentos e consumo. Com isso a economia cresceria mais, ampliaria suas importações e demandaria mais moeda estrangeira, assim pressionando a taxa de câmbio para cima. Essa taxa seria também impulsionada pela menor atratividade, para os investidores externos, dos juros locais.

Não desprezo as dificuldades desse caminho, mas hoje não vejo alternativa para a economia brasileira buscar taxas de crescimento mais elevadas. A dificuldade maior é a do referido passo inicial, o da contenção dos gastos públicos correntes, pois aí persiste uma enorme distância entre o discurso e a prática do governo, distância essa novamente evidenciada pelo que disse o presidente em Aguiarnópolis. "A minha tese é a mesma de sempre: nós só gastaremos aquilo que temos, não inventaremos gastos..."

No mesmo caderno, outra manchete deu merecido destaque a um fato grave que contrasta com essa afirmativa: Déficit da Previdência cresce 25%, em abril, relativamente ao verificado no mesmo mês do ano passado, prevendo-se que o déficit final do INSS crescerá de R$ 38 bilhões no ano passado para R$ 45,8 bilhões este ano, impulsionado principalmente pelo forte e eleitoreiro reajuste do salário mínimo, de R$ 300 para R$ 350, que teve grande impacto sobre o valor dos benefícios previdenciários.

Ou seja, o governo gastou o que não tinha, mediante um reajuste cujo inventor foi a um lugar longínquo para iludir ou confundir os que o ouviram, ao dizer que não inventará o que já inventou. Em matéria de confundir e iludir, é realmente um mestre.